Ricardo Icassatti Hermano
Pronto! Começamos. Agora é tocar a tchanga com as muitas colaborações que já estamos recebendo. Agradeço todo o apoio e ajuda das(os) nossas(os) leais leitoras(es). Essa é uma obra conjunta : )
No primeiro capítulo, uma ministra foi assassinada. O médico legista, Hamilton Queiroz, suspeita de envenenamento. O delegado responsável pela investigação, Alexandre Dantas, mantém a suspeita em segredo e aguarda o resultado dos exames toxicológicos.
Como de costume, aqui está a música da trilha sonora desse capítulo:
Morte na Esplanada
Capítulo 2
Alexandre desvendou muitos casos cabeludos envolvendo políticos de todos os calibres e coloração partidária. Com isso, atraiu a perigosa atenção dos seus superiores, todos comprometidos com alguma facção política. O seu sucesso atraiu o ódio de muitos colegas, mas também a admiração de outros. Havia um equilíbrio sutil e muito delicado. Qualquer erro seria fatal. Ele desconfiou que o colocaram no caso da ministra para queimá-lo. O fracasso num caso de tamanha importância seria o seu fim.
Se assim fosse, a cama já estava armada para que ele fracassasse. Além disso, se contavam com o seu fracasso é porque não queriam ver o caso solucionado. E Alexandre tinha uma característica que o diferenciava de todos os demais policiais. Sabia reverter expectativas. Quando pensavam que iria cair estrondosamente, ele superava todos os obstáculos e, com criatividade e inteligência, surpreendia solucionando o caso. Estava acostumado com as previsíveis cascas de banana que colocavam em seu caminho. Mas, ele tinha bons amigos dentro e fora da polícia.
- Alexandre, como vai? Senta aí - disse o diretor Miguel Brochado.
- Pois não - disse Alexandre enquanto se ajeitava na cadeira.
- Já esteve lá no gabinete da ministra? Que informações você tem?
- Por enquanto não tenho nada. Estamos no início da investigação. Ainda não interroguei a senhora do café, dona ... deixa ver aqui nas anotações ... Carmelita, isso, dona Carmelita. Ela estava em estado de choque e não conseguiria falar mesmo. O resto do pessoal do gabinete está agendado para hoje ainda. Estão todos aí embaixo no salão, esperando.
- O que mais?
- O corpo está sendo autopsiado e estou aguardando os resultados.
- Quem está responsável pela autópsia?
- O Dr. Hamilton Queiroz.
- Ele é bem detalhista. Gosta de explicar tudo e demora pra caralho pra chegar no ponto.
- É, mas esse cuidado é que faz dele o melhor legista que nós temos ...
- Tá, tá ... eu sei que vocês são amigos e ...
- ... e ele não precisa que eu o elogie. Seu currículo é mais que suficiente.
- Ok ... quando tiver mais informações, eu quero que você se reporte diretamente a mim. O presidente deu instruções específicas a esse respeito. Tenho que informá-lo de cada passo dessa investigação.
- Já falou com a minha chefia? O Zé pode não gostar ...
- Deixe o Zé comigo. Eu cuido dele. Você terá todo o suporte que precisar, basta requisitar diretamente com o meu chefe de gabinete. E qualquer novidade, já sabe, fale primeiro comigo. Está claro?
- Claríssimo.
Agora Alexandre tinha certeza que algo estava errado. Só havia falado uma vez com o diretor e não havia sido uma conversa agradável. Logo que tomou posse, o diretor participou de uma festa dos delegados. Lá chegando, viu Alexandre conversando com alguns colegas. Miguel já conhecia a fama de Alexandre e resolveu, sabe-se lá porque cargas d'água, dar uma demonstração de força. Foi o seu primeiro erro.
Miguel se aproximou e cumprimentou a todos com arrogância, deixando Alexandre propositadamente por último. Estendeu a mão suarenta, que ficou suspensa no ar. Alexandre sequer se mexeu. Estava com as mãos nos bolsos da calça e lá permaneceram. Seus olhos, no entanto, se fixaram nos olhos do diretor e dali não saíram. Os colegas instintivamente perceberam o perigo e se paralisaram. O silêncio caiu como uma pedra na sala. Todos giraram seus pescoços naquela direção.
Quem assistiu qualquer documentário sobre felinos caçando já entendeu a cena.
Miguel ficou uns segundos ali com a mão estendida e um ar confuso no rosto. Em seguida, sua pressão variou, sua pele mudou de cor e após engolir em seco, começou a piscar. A veia jugular inchou e passou a mostrar o batimento acelerado do coração. Alexandre captava cada sinal com a calma de uma brisa de Verão. Sua pulsação baixou levemente. Seu olhar estava frio como gelo. Ninguém percebeu o seu pé direito deslizando lenta e suavemente para trás. O diretor então cometeu seu segundo erro.
- Não vai cumprimentar o seu chefe? - perguntou bem alto para que todos ouvissem e Alexandre se sentisse constrangido.
- Não.
Quase no mesmo instante, um dos colegas de Alexandre reagiu de maneira inesperada e deu um salto, se distanciando dos dois. Ele ainda tentou disfarçar olhando para os lados como quem não quer nada, mas já era tarde. Os outros colegas também se afastaram. Miguel ficou mais uns segundos com a mão parada no ar e a recolheu em seguida. A cara de abestado ficou mais evidente. Ele não havia se preparado para aquelas respostas. Comportamento típico dos arrogantes.
Uma colega tentou agradar o diretor chamando a atenção de Alexandre.
- Deixa de ser bobo, Alexandre. O que você ganha com isso? Para com essa bobagem.
Alexandre sequer olhou para ela.
- Eu já aguento muita encheção de saco desses malas por obrigação de trabalho. Aqui fora não. Aqui, as regras são outras - falou duro, mas calmamente e olhando fixamente nos olhos de Miguel.
- Aí não cumprimenta ninguém e fica isolado, sem amigos - disse Miguel arfando e tentando parecer inteligente.
- Não. Amigos, eu tenho muitos. Mas, é um ato de vontade. Eu só cumprimento quem eu quero. E os amigos, eu escolho.
Miguel ficou sem ação. A festa parada. Alexandre estava pronto para qualquer situação. O diretor não soube o que dizer e foi melhor para ele. Se abrisse a boca mais uma vez, seria a última. Alexandre estava com um soco pronto para ser disparado ao primeiro som. Miguel deu meia volta e foi embora. A única coisa inteligente que fez naquele dia. Se soubesse um mínimo de estratégia, teria evitado o vexame.
Um office boy bateu na porta da sala de Alexandre e perguntou se poderia entrar. O delegado bebericava um café e só acenou para que se aproximasse. O garoto lhe entregou um bilhete e saiu em seguida. Alexandre abriu o papel, que estava colado em toda a sua extensão. Era do Dr. Hamilton. Rapidamente saiu em direção ao Instituto Médico Legal.
O corpo da ministra jazia inerte em cima de uma mesa de aço inox. Dr. Hamilton fez menção de retirar o lençol e descobrir o corpo nu, mas Alexandre o impediu. Não precisava ver aquilo. "Ninguém merece", pensou. Queria apenas saber o resultado dos exames.
- E aí Hamiltão? O que deram os exames? Foi envenenamento mesmo?
- Quer um café?
- Agora não.
- Aproveita porque foi feito com os grãos especiais da ministra.
- Você usou provas materiais?
- Depois de analisadas, é claro. Não tinha nada no café, graças a Deus. Porque é um excelente café.
- Tá bom. E os exames?
- Alex, você sabe que sou um estudioso, né?
- Sei ...
- Então, eu sou apaixonado pelos venenos. Especialmente os mais raros e difíceis de serem detectados.
- Sei ...
- Ultimamente, tenho estudado muito os venenos de animais e insetos da fauna do cerrado. Esse bioma é muito interessante, porque na verdade o cerrado brasileiro é uma espécie de savana ou deserto, mas também tem muita água e matas que são alimentadas por essa água. São as chamadas matas de galeria, porque se formam e crescem em torno dos rios e nascentes. E o cerrado não dá somente bons cafés.
- Sei ...
- É justamente nessas áreas úmidas que existem algumas espécies raras de sapos. São bem pequenos, minúsculos mesmo. Mas, são bem coloridos e extremamente venenosos. Aliás, quanto mais coloridos, mais perigosos são. Se um dia você estiver excursionando pelas cachoeiras aqui do Goiás, tome muito cuidado onde pisa. O veneno desses sapinhos é absorvido pela pele, entra na corrente sanguínea e provoca a morte em questão de horas ou até minutos. São sapos extremamente tóxicos. Bastam dois décimos de um micrograma de Homobatrachotoxina - é assim que se chama o veneno dos sapos - para matar um homem adulto.
- Sei, desembucha Queiroz ...
- Peraí ... eu tenho estudado detalhadamente alguns desses sapinhos e seus venenos. Você sabia que, dependendo das cores, cada espécie tem um veneno diferente? Ou melhor dizendo, cada veneno age de maneira diferente.
- Não. Não sabia ...
- Pois é. E os testes toxicológicos padronizados são incapazes de detectar qualquer um deles. Os testes que fiz não acusaram um traço sequer dos venenos conhecidos. Os desconhecidos também não, é claro.
- Claro ... Então ela não morreu envenenada? Morreu do que?
- Peraí. Ela não morreu envenenada pelos venenos conhecidos. Ela morreu envenenada pelo veneno de um sapinho ... deixa ver ... aqui. Olha aqui a foto dele. Esse sapinho amarelo vivo. Algumas tribos usam o veneno desses sapos nas flechas. Esses bichinhos têm veneno suficiente para matar 10 adultos ou 20 mil ratos. No veneno desse aí foram identificadas mais de 100 toxinas diferentes. Tem um outro, todo branco, que tem veneno para matar 100 adultos. Muita gente pensa que as cobras e as aranhas são as espécies mais venenosas. Mas, estão enganadas. Os animais mais peçonhentos do planeta são esses sapinhos. Não é fantástico?
- Muito. Mas, como você sabe que foi o veneno desse sapo?
- Genética, meu caro. Genética. Esses venenos estão sendo estudados no mundo inteiro por causa das suas propriedades medicinais. Como eu tenho acesso aos sapinhos aqui no Brasil, mantenho contato e forneço amostras para laboratórios de vários países. Trocamos estudos. Assim, pedi que me enviassem o mapa genético, o DNA dos venenos, e comparei com o DNA da toxina que consegui isolar da ministra. Infelizmente, aqui não temos estrutura e equipamentos para fazer esses exames mais sofisticados. Venho pedindo há anos, mas nunca tem verba. Agora, para viajar, alugar carro de luxo, restaurante, grampo telefônico, aí tem dinheiro sobrando.
- E o que deu o exame de DNA?
- Deu que o veneno utilizado foi desse Sapo Dourado, da espécie Phyllobates Terribilis, da família Dendrobatidae. O seu veneno provoca a falência múltipla de órgãos, como constatei no caso da ministra. Mas, tem uma coisa interessante. Ela não morreu da falência múltipla de órgãos.
- Como assim?
- A quantidade de veneno foi exata para uma parada cardíaca, mas ...
- Mas o que Hamiltão?
- O processo de falência chegou a começar e ela morreu logo em seguida. Quase passou despercebido. Até que resolvi examinar amostras do fígado e dos rins no microscópio. Ali pude ver as pequenas hemorragias e o início da necrose típica da falência.
- Isso quer dizer que foi envenenamento mesmo?
- Não tenho dúvida disso. Tem mais.
- O que?
- Se ela foi mesmo assassinada, o que parece ter sido, quem fez o serviço sabe tudo de venenos.
- Por que você acha isso?
- Porque a dosagem precisa ser muito bem calculada. É preciso levar em conta a idade, o peso e a altura da vítima e a morte precisa acontecer antes da falência múltipla de órgãos para despistar a autópsia. Precisa parecer que foi um ataque cardíaco apenas. Tem que ser um especialista no assunto.
- Um assassino profissional ...
- E dos caros. Não deve ter muitos assassinos por aí que entendam tão bem de venenos.
- Hamiltão, você é o cara, você é um gênio! Mais alguém sabe disso?
- Claro que não.
- Então vamos manter assim. Pelo menos até eu esclarecer algumas coisas. Começando por onde estava esse veneno e como a ministra foi envenenada.
Se vocês encontrarem esses bichos por aí, saiam de perto
E como diz o Romoaldo todas as manhãs, de segunda a sexta-feira, em nosso quadro na CBN Recife e, em seguida, aqui no podcast: Um abraço e bom café!
Links dos capítulos já postados. Basta clicar no capítulo desejado:
Capítulo 1
Ui!! Deu um medo dos sapos. Logo eu que tenho a maior simpatia por eles. Quando criança, pegava gerinos e esperava que crescessem só para ver um sapinho. Ui! Que risco. Tinha cada sapinho lindo.
ResponderExcluirEsse capítulo é ainda melhor do que o outro. Os diálogos estão ótimos. Super reais. Pelo visto, o autor quer se superar, escrevendo um capítulo melhor do que o outro.
O assassino profissional já deve ter escapado do país. Quem sabe esteja em Cozumel, no México. Ou em Fidji.
Que venham os próximos capítulos.
Memélia
Valha-me, meu "God" do céu! Desamarrei meu jegue como quem diz "tô bege"! Quer dizer que no cerrado, perto de rios e nascentes, pode existir um "sapin" amarelo capaz de matar um elefante, digo, uma "Ministra". Socoooorroooo!
ResponderExcluirNunca mais andarei com minha mulinha Magia na paz costumeira.
Marven
Meninas,
ResponderExcluirComo já dizia o poetinha Vinícius de Moraes:
São demais os perigos desta vida pra quem tem paixão
Principalmente quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita
Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua
Beijos da Redação do Café & Conversa
Ia falar dos sappos, mas chegaram antes (rs).
ResponderExcluirEstou gostando muito, nem precisava dizer...mas em se tratando de "perigos desta vida" e novela suspense: Acerta (desconhecendo) o nome de minha mãe e de meu pai em um só capitulo foi de arrepiar (rs).
Abraços
Tá caprichando nos nomes em? Ministra SS, Dantas, Brochado...
ResponderExcluirNão sabia que sapos eram tão letais.
Pensava que só faziam mal quando engolidos metaforicamente.
Tipo engolir o sapo barbudo chamado Lula.