segunda-feira, 6 de maio de 2013

"Fomos" tão jovens ...

Ricardo Icassatti Hermano

Domingão. Só um filhote em Brasília. O resto no exterior. Sinto falta de todos. Todos os 10. Meus filhos sempre demonstraram grande curiosidade sobre a minha juventude. Ouviram histórias aqui e acolá de gente que conviveu comigo naquela época distante. Assim, não foi surpresa quando peguei meu caçula para almoçarmos e assistirmos a um filme de ação, e ele me pediu que fôssemos ver "Somos tão jovens", que conta um pouco da vida do compositor e cantor Renato Russo, da banda brasiliense Legião Urbana. Queria ver como eu era.

Cartaz do filme

Gostei muito do filme, embora discorde de algumas coisas. Conheci Renato Russo no Colégio Objetivo. Não éramos da mesma sala, mas escrevíamos poesia. Um amigo em comum nos apresentou por causa da poesia. Era um cara legal e genial. Como todo gênio, atormentado pelo turbilhão de ideias, sentimentos e criatividade que, quase sempre, o cegava. Não chegamos a desenvolver uma amizade, apenas conversamos algumas vezes sobre poesia.

Renato Russo

Eu não era da turma punk porque achava aquilo tudo muito equivocado e falso, uma cópia barata e distorcida do verdadeiro movimento. Na Europa, o punk nasceu no meio da pobreza, dos operários, em bares fétidos. Em Brasília, era apenas uma moda, um jeito de se vestir da garotada classe média. Nada além disso. Mas, Renato Russo conseguiu colocar um pouco do punk nas músicas que compôs.

Essa garotada foi um produto do meio

É preciso lembrar que vivíamos uma ditadura militar, onde ter poder significava privilégios de toda ordem. Exatamente como hoje em dia, sem um nível tão alto e descarado de corrupção. As portas se abrem ou se fecham conforme a sua disposição em paparicar o governante da hora. Convivíamos de perto com o poder na figura dos filhos dos militares e dos políticos. As músicas de Renato Russo tinham um grau de rebeldia que agradava a meninada, eu incluído. Mas, eu estava em outra onda e gostava mesmo era da soul music americana.

A nossa vida acontecia embaixo dos blocos das superquadras

Eu também não era da turma "artista". Meu negócio era o motor, a gasolina. Kart, moto, pegas, carros preparados, eu estava dentro. E ainda tinha as artes marciais, que moldaram meu caráter. Assisti a somente um show do Aborto Elétrico e me tornei fã do Legião Urbana desde a primeira música.

O filme tomou cuidado com detalhes que apreciei muito, como os hábitos e costumes da juventude naquela época. Um deles é o que o meu irmão Bily bem apelidou de "vida de quarto". Brasília não tinha muitas opções de lazer para a juventude. Por isso, vivíamos e convivíamos muito em nossos quartos. Era bem comum visitarmos amigos no meio da noite e nos reunirmos em seus quartos enquanto o resto da família já estava dormindo. 

Diversão e Arte

Meu irmão e eu dividíamos um quarto. Ele era motociclista e tinha uma turma grande. Nos finais de semana, sempre alguém se arrebentava e ia bater lá no nosso quarto de madrugada para fazer uns curativos antes de ir embora para casa. Nem todos os pais eram tão compreensivos quanto os nossos quando se tratava de acidente motociclístico. Um tombo poderia significar a perda da moto. Daí que todo mundo escondia dos pais os machucados, ralados, estragos na moto etc.

Também não tínhamos telefone celular. Então, chamávamos as pessoas gritando e/ou assobiando embaixo das janelas dos apartamentos, as bandas faziam shows no meio das superquadras. É inacreditável, mas as pessoas davam festas nos apartamentos. Saíamos andando pelas superquadras, procurando janelas com luzes piscando ou coloridas. Ali estava rolando uma festa e sempre éramos os penetras. Era uma bela maneira de conhecer pessoas e também de arranjar confusão. As brigas eram famosas e rotineiras.

Hoje, um show na superquadra certamente terminaria em prisão

A falta de lazer também nos levava a reuniões em volta de fogueiras ou em carros para ouvir música e conversar. Ainda tinha muito mato em Brasília, especialmente na beira do lago Paranoá. Claro que sempre usávamos algum, digamos, aditivo como vinho barato (Chapinha, Castelo, Sangue de Boi) e alguma fumaça proibida. Bebíamos até vomitar porque, naquela idade, ninguém tinha noção de limite. Namorar era outra diversão. Muita gente se casou cedo e teve filho de cinco meses. Líamos muito e, no meu caso, ainda acrescento as competições. Talvez isso também tenha nos dado uma ousadia e uma sede de conhecimento raras nos dias de hoje. 

Talvez tenhamos sido abençoados com a monotonia

O filme soube captar tudo isso e tirar a grossa camada de poeira repousada sobre emoções guardadas há décadas nesse velho peito, a sete chaves. Conseguiram arrancar lágrimas de mim e me fizeram cantar. Estavam lá todas as coisas que vi e vivi. A Caravan do meu pai, as músicas que embalaram algumas das minhas paixões, as conversas cabeça e a Rockonha que fez todo mundo dançar. Eu quase fui até lá. Só não fui preso naquela noite porque não sabia direito como chegar no tal sítio e, no meio do caminho, decidimos ir para outra festa. 

A atriz Laila Zaid interpreta Aninha, a menina que ensinou
quase tudo o que o Renato sabia

Fui preso em outras ocasiões e por outros motivos. Não fui um jovem fácil e não sou um adulto fácil. Quando se trata de princípios e lei, não faço concessões. Um delegado da Polícia Federal me disse, quando fui ilegalmente preso após surrar seis agentes armados, que o problema dos jornalistas é que não sabíamos ficar de boca fechada. Disse a ele que não sabemos mesmo e nos orgulhamos disso.

"Somos tão jovens" é um filme sensacional por tudo isso, por abrir meu baú de memórias, me emocionar e poder mostrar ao meu caçula um pouquinho do que vivi quando fomos tão jovens. E como encontraram aquele ator que faz o Renato Russo? O garoto Thiago Mendonça parece a reencarnação dele. Também foi divertido ver um Dinho Ouro Preto ridículo e cantando mal pra cacete. Não gostei de terem mudado o nome do jornalista do Correio Braziliense, Irlam Rocha Lima, responsável por descobrir e impulsionar a carreira de muita gente boa de Brasília. Colocaram um sujeito careca e alto no lugar dele. Sacanagem. 

A equipe que fez esse filme está de parabéns

Foi o Irlam quem me apresentou a maior cantora de rock do Brasil. Era uma manhã comum no comitê de imprensa do Palácio do Buriti. Eu fazia a cobertura do governador para o Jornal de Brasília. O Irlam trabalhava na assessoria de imprensa do GDF, que ficava na sala ao lado. Era um bico. Jornalista ganha mal até hoje. Ele havia acabado de entrevistar para o Correio Braziliense uma cantora novinha, iniciante, mas muito talentosa. Ao sair com ela, passou pelo Comitê de Imprensa para me apresentar a moça. O nome dela era Cássia Eller. "Essa menina ainda vai ser muito famosa", me disse Irlam. Ela, extremamente tímida, ficou vermelha e apenas sorriu. 

Só duas queixas. As fotos que são batidas no filme, poderiam fazer a transição para o preto e branco com as fotos reais e poderia ter mais músicas. O Café & Conversa assistiu, gostou, chorou, cantou, aplaudiu e recomenda com a cotação cinco canecas, na categoria "Imperdível". Especialmente para quem viveu aquele tempo. Veja o trailer:


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