Morte na Esplanada
Capítulo 1
Um grito é sempre algo perturbador, porque foge ao contexto de normalidade a que estamos acostumados. Mas, não é qualquer grito. Existem vários tipos de grito que não nos perturbam, porque fazem parte da situação em que estivermos inseridos. O grito que realmente perturba é aquele inesperado que desperta o medo, o desespero, o pavor. Esse grito é inconfundível e causa efeito imediato. Esse efeito é o despertar do torpor diário e a incontrolável contaminação de todos que o ouvem.
O despertar é consequência da injeção maciça de adrenalina, mas o medo lança a todos numa confusão mental, pois o pavor se instalou, o sentido de alerta despertou, mas ainda não se sabe o motivo. E o desconhecido só faz aumentar o medo, o pavor e o desespero. O efeito seguinte é o pânico que, às vezes, leva à morte. Uma situação muito comum em grandes multidões descontroladas pelo pânico. As pessoas morrem sem saber a razão, que geralmente é nada.
O delegado da Polícia Federal, Alexandre Dantas, não descruzou os braços e não tirou os olhos do corpo da ministra enquanto o médico legista, Dr. Hamilton Queiroz, explicava os efeitos provocados em todos os funcionários pelo grito da senhora que encontrou o corpo da ministra. Isso explicava a grande quantidade de pessoas feridas e a desordem em todo aquele andar. Mesas e cadeiras viradas, papéis pelo chão etc.
A ministra gostava de tomar o seu café em horários determinados. Nem um minuto a mais ou a menos. A velha senhora tinha apenas essa função no gabinete da ministra, servir dois cafés, um pela manhã exatamente às 10h30, e outro à tarde, às 15h30. E o café não era o mesmo servido para o resto do gabinete, o chamado "café de licitação". Era um café especial, cujos grãos eram entregues semanalmente por uma cafeteria local, a Grenat Cafès Especiais.
Ela entrou no gabinete e colocou a xícara de café sobre a mesa, como sempre fazia. Ao levantar o olhar, viu a ministra sentada em sua cadeira, com a cabeça inclinada para trás, os olhos arregalados e a boca aberta. Por um momento, sua mente presa à rotina de décadas não conseguiu processar o que os olhos registravam. Não havia nada em seu arquivo de memórias que explicasse minimamente aquela cena.
O único pensamento que lhe ocorreu foi sair dali o mais rápido possível. Em algum canto empoeirado da sua mente soou o alarme da auto sobrevivência. Foi o medo de acabar sendo responsabilizada por seja lá o que fosse aquilo, que levou rapidamente a senhora até a porta do gabinete. Parada na frente da porta, soltou um grito tão horripilante que ela mesmo se apavorou a ponto de desmaiar. Ela não tinha qualquer sentimento pela ministra Sueli Sandoval, também conhecida como SS.
O delegado Alexandre apurou que o apelido vinha do tempo em que a ministra militava em organizações de esquerda e vivia na clandestinidade. Apesar de coincidir com as letras iniciais do seu nome, o apelido foi dado pelos correligionários devido a assumida admiração que ela nutria pelos métodos de terror utilizados pela SS nazista. Por isso, ocupava lugar de destaque nas estruturas das organizações clandestinas das quais participou. Após um período atuando na frente armada, em assaltos, atentados e assassinatos, Sueli ficou responsável pelos núcleos de inteligência, onde aplicava os métodos mais hediondos para obter informações.
Foi presa após ser dedurada por uma ex-amante. Sueli gostava de meninas bem jovens e bonitas. Haviam sempre várias em seu staff. Mas, era uma mulher violenta e ciumenta, comportamento amplificado por uma paranóia típica. Por qualquer motivo, surrava as meninas. Na época da clandestinidade, haviam rumores de que ela teria matado pelo menos duas. Uma das espancadas conseguiu fugir e a entregou à polícia.
A dita esquerda acabou chegando ao poder e Sueli veio junto. Sabia muita coisa e ainda atuava na área de informações. Foi uma das principais integrantes do comando da campanha eleitoral. Achou que seria a escolha natural para dirigir a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), mas foi barrada pelo próprio presidente. Como prêmio de consolação, ganhou a Secretaria Especial de Assuntos Femininos, com status de ministra. Tinha a equipe de assessoras mais admirada e cobiçada da Esplanada. Todas jovens e extremamente belas.
- O que você acha que foi, Hamiltão?
Alexandre e Hamilton se conheciam há mais de 20 anos. Eram amigos fraternos e se tratavam por apelidos. Participaram de várias investigações. Alexandre conseguiu desvendar alguns casos famosos e desagradou muita gente poderosa de todas as cores políticas. Isso atrapalhou um pouco a sua carreira, mas ao mesmo tempo o tornou intocável e boa propaganda para uma instituição policial famosa pela ineficiência provocada por aparelhamento político.
- Olha, você sabe que não dá para chutar uma causa da morte. Só depois da autópsia.
- Extra oficialmente, Hamiltão … você tem experiência, me dá uma opinião pessoal.
- Em off?
- Em off.
- Aparentemente, foi um ataque cardíaco. Mas …
- Mas, o que Hamilton?
- Estou desconfiado … não sei ...
- Porra Queiroz! Desembucha logo!
- Estou com a suspeita de envenenamento. Mas, tenho que fazer uns exames primeiro.
- Assassinato?
- Pode ser … pode ser … tenho que fazer uns exames …
- Hamiltão, esse caso vai ferver. Assim que você tiver o resultado dos exames, passa pra mim imediatamente. Entendeu?
- Olha, eu falei em off, hein?! É só uma suspeita …
- Eu sei Queiroz. Fica tranquilo. Vou esperar o resultado, mas fica de bico calado. Aqui tem coisa pesada. Não sei porque me escolheram para esse caso. Não fale com ninguém sobre a sua desconfiança. Vamos tocando normalmente e nada de telefone. Só vamos falar disso pessoalmente, certo? Confia em mim?
- Confio. Mas, tome cuidado. Quando vi você chegando aqui, senti logo o cheiro de pólvora ...
- Deixa comigo.
O tiro foi certeiro. Melhor dizendo, o capítulo inicial já prende a atenção e provoca curiosidade sobre a sequência. Só uma sugestão: despartidarizar a novela. Ela pode perder o sabor. Os comentários políticos podem ser mais sutis. Esse é o único reparo. Quanto aos primeiros quatro personagens, achei ex-ce-len-te a descrição de cada um. A senhora do cafezinho, até agora, é minha preferida. Ela vai crescer, com certeza. E, quem sabe, ajudar a desvendar o crime.
ResponderExcluirO mistério da morte pode ser semelhante ao da morte da mulher do PC Farias. Um tipo de "infarto induzido".
E o assassino? Entrou na sala feito o homem-aranha?
Agora, quero mais. Porque esse aperitivo abriu meu apetite.
saudações en noir. Ou xamânicas.
Memélia
Queridíssima Xamã,
ResponderExcluirEssa politização inicial é crucial para circunstanciar a trama. Sem ela, fica impossível entender o crime mais adiante. Como eu, você sabe que assassinatos políticos sempre ocorrem por outros motivos que não os puramente políticos.
Daqui pra frente, vamos tratar do crime em si e suas ramificações.
Obrigado pelo comentário e abraço de toda a Redação do Café & Conversa : )
Um crime político do tipo queima de arquivo? Talvez uma vingança de uma de suas amantes ou, ainda, quiçá uma de suas vítimas torturadas? Um suicídio motivado por frustrações múltiplas? (rs)
ResponderExcluirPelo traçado da personagem morta, a lista de prováveis suspeitos do assassinato é tão grande e suja quanto sua vida pregressa.
Sem palpites, por enquanto, mas à espreita pra variar e sempre.
Marven
Essa ministra SS merecia era morrer com a boca cheia de formiga.
ResponderExcluirÔ mulherzinha ruim!
Li o Capitúlo I só hoje, segunda-feira, 20/06.
Passarei pro Capítulo II imediatamente.
Abraços