sábado, 19 de janeiro de 2013

Cafeteira Napolitana

Ricardo Icassatti Hermano

Todos nós conhecemos a tradicional cafeteira italiana Moka, aquela feita de alumínio, octavada, dividida em três partes e que vai ao fogo. É o primeiro artefato que produz espresso caseiro que conhecíamos. Até descobrirmos que a Moka é uma evolução de outra cafeteira ancestral: a Cafeteira Napolitana (Caffettiera Napoletana).

Como o próprio nome revela, sua origem está na cidade de Nápolis, na Itália. Mas, ela foi inventada em 1819 por um funileiro francês de nome Morize. A novidade chegou a Nápolis e caiu na graça de toda a Itália em seguida. Os napolitanos gostaram tanto que logo a batizaram (Cuccumella, em dialeto napolitano) e ficou parecendo ter sido inventada por eles. É preciso ressaltar que, naquela época e até meados do século XX, o café era vendido verde ou cru. As pessoas torravam e moíam o café em casa.

É assim mesmo que ela vai ao fogo, de cabeça para baixo

A Cafeteira Napolitana também é dividida em três partes ou câmaras, mas não faz espresso. Faz café coado de uma maneira bem original. Na primeira câmara, coloca-se água. Na segunda câmara, coloca-se o pó de café. Essa segunda câmara tem furinhos no fundo e é fechada com uma tampa-filtro. Ela é inserida na primeira câmara, com uma distância de cerca de meio centímetro da água. A terceira câmara se encaixa em cima da segunda e é apenas um bule que fica de cabeça para baixo. 

A cafeteira se divide em três câmaras

Depois de fechada, leva-se a cafeteira ao fogo baixo. Depois que a água ferver, deixe no fogo ainda uns dois ou três minutos para que o vapor exalte o aroma e o sabor do café. Apague o fogo e vire a cafeteira ao contrário. A água vai descer para o bule passando pelo pó de café e pelo filtro, caindo no bule que estava vazio. A coagem leva de cinco a oito minutos.

É muito simples e o café deve ficar delicioso, porque os napolitanos são adeptos dessa cafeteira até hoje e nem querem saber da Moka. Resolvemos pesquisar e encontramos coisas interessantes, como uma cena de uma comédia italiana feita para televisão em 1962, chamada "Questi Fantasmi"

Originalmente, o texto foi escrito em 1945 como uma peça teatral, em três atos, pelo ator Eduardo de Filippo, que interpreta o protagonista. Nesta cena, ele explica porque bebe café e como manuseia a Cafeteira Napolitana

Graças à generosidade e ao conhecimento da língua italiana da jornalista Helena Ines Rodrigues Fortes, podemos disponibilizar a tradução do diálogo dele com um certo "professor". Assista e leia a tradução logo abaixo.


Tradução

"Olá, professor. A nós, napolitanos, querem tirar também esse momento de relaxamento do lado de fora, na varanda... E por exemplo, professor, eu renunciaria a tudo, com exceção desta xícara de café que se bebe tranquilamente na varanda, depois daquela meia hora de sono depois do almoço, sabe... Aquele pouco de (boceja) ... Desculpe-me... E eu é que tenho que preparar o café, com minhas próprias mãos... Sou muito ciumento (risos).... O quê? Ah, não, minha mulher? Não, não, não. Minha mulher não ajuda, entende? É muito mais jovem que eu. Essa geração nova perdeu esses hábitos, que eu considero que, sob um certo ponto de vista, são a poesia da vida, porque além de me ocupar o tempo, traz uma certa serenidade de espírito... (pausa) Bravo, muito bem! E depois, quem mais poderia preparar para mim uma xícara de café como eu, com o mesmo zelo, o mesmo amor? O senhor deve entender que, sendo eu que sirvo a mim mesmo, sigo a verdadeira tradição, não descuido de nada... Preparo o café, seguindo todas as regras. Por exemplo, com isso, ah? Sobre o bico... O senhor está vendo o bico, ah? Este aqui! Mas o senhor está olhando pra mim? O bico da cafeteira! (pausa) Não, imagina! Não estou enraivecido! [trecho incompreensível] Não, eu estava brincando. Eu estava dizendo que o senhor deve cobrir o bico, com essa “tampa” feita de papel. Parece inútil, mas tem a sua função. É porque o vapor denso do primeiro café (aquele mais denso) não se dispersa. Pelo contrário, fica dentro e perfuma todo o ambiente interno e o prepara para receber o café... [trecho incompreensível], professor, lembre-se: antes de deixar cair a água, que para mim tem que ferver por mais ou menos dois minutos para alcançar a temperatura adequada... Como dizia, antes de virar a cafeteira para deixar cair a água, na parte interna da cápsula com furinhos... Não, não, do outro lado, onde se versa a água: feche o recipiente e depois o vire de cabeça para baixo... onde se versa a água... Isso. No fundo, coloque ali uma colherzinha de pó de café que você acabou de moer... (pausa)  É um pequeno segredo... (pausa) É sim, porque a água fervente, já se aromatiza naturalmente no momento em que é versada. Então, o café fica muito mais perfumado, fica bem mais gostoso... É uma grande satisfação. E evito também de ficar enraivecido, porque se por um acaso o café não sai bom, se por um erro, deixo cair o pedaço de cima e se junta com o pedaço de baixo, e aí se mistura talher e café... Enfim, se o café fica ruim, como sou eu que preparo o café, não posso me enraivecer com ninguém. Eu me convenço que o café está bom e bebo do mesmo jeito. Bem,  ou bebo, ou tchau. Mais um pouco. Professor, o senhor se diverte também? Porque eu o vejo fora na varanda fazendo sempre a mesma coisa... de manhã bem cedo... 

Vejo o senhor com o jornal... Sim, sim, sempre os mesmos costumes... Bem, mas como eu dizia, como minha mulher não me ajuda, eu mesmo torro o café. Sim, sim, e essa é a coisa mais difícil: saber qual é o ponto certo... a cor, professor, a cor! Deve ser cor de manto de monge. Cor de manto de monge. O senhor está servido, professor? Dá licença. Sinta que perfume! Uma maravilha! Um minuto, professor... (experimenta o café) Ah, isso não é café, é chocolate!" 

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