Ricardo Icassatti Hermano
O delegado Alexandre Dantas decidiu enfrentar os poderes de sedução da jornalista Mércia Trancoso? Será que ele resiste aos encantos dela? E Lígia Dupont? Por onde andará a musa de Alexandre? Ela se refugiou em sua cabana nos Alpes Suiços e acompanha os acontecimentos através de relatos esporádicos do delegado.
O que eu sei mesmo é que já estabeleci o final dessa trama. E ela se encerrará no 20º capítulo. Bem a tempo de iniciar a cobertura do Rally dos Sertões 2011 para o blog Café & Conversa. Vamos levar muito café, moedor e cafeteiras French Press. Só pode sair coisa boa daí.
Portanto, quem ainda tiver alguma colaboração a dar, a hora é agora ou se cale para sempre : ) Por enquanto, fique com o novo capítulo de
"Morte na Esplanada", que vai esquentar feito a nossa internacionalmente famosa receita de
Chili con Carne.
Então vista o seu pijama, encha a sua caneca, calce as meias, ligue o som do computador, apague as luzes, enfie-se debaixo do edredon e estremeça com as emoções emocionantes da sua Blog-Novela preferida.
Morte na Esplanada
Capítulo 17
Às 21h em ponto, Alexandre chegou ao restaurante Nero. Um lugar sofisticado, com aquela meia luz equivocada que realça o avanço da idade, toalhas impecavelmente brancas, garçons atenciosos e educados. No salão, arranjos florais e a clientela que se esforçou para aparentar riqueza exagerando na maquiagem e nos perfumes. Certamente é um restaurante caro.
O delegado olhou o relógio, que marcava 21h07. Ele não gostava de esperar. Tinha rigor com horários agendados. Se uma pessoa marca a hora de um encontro, não há justificativa para o atraso, pois teve todo o tempo do mundo para se preparar e se antecipar. A não ser, claro, que haja um acidente. Mas, obviamente não era o caso.
Ele trajava uma calça social azul marinho, camisa branca e um paletó de couro preto. Estreava um par de botas que havia comprado pela
internet numa loja americana, conforme recomendação de
Kassatti.
O delegado era avesso a perfumes, da mesma maneira que não conseguia ouvir música com headphone no meio da rua. Não entendia como alguém abria mão de um sentido importante como a audição e se expunha a diversos perigos decorrentes dessa carência sensorial. Ele aprendera nas artes marciais que precisava estar atento a tudo e as distrações não faziam parte da sua vida.
Enquanto observava o ambiente, Alexandre pensou que conforme a corrupção crescia em Brasília, graças a um presidente que elevou o patamar da cara-de-pau a níveis impensáveis, mais surgiam bons restaurantes, ou pelo menos que posavam como tal. O jantar caro ainda era uma ferramenta poderosa dos lobistas para conquistar políticos e autoridades governamentais.
Embora o restante do país veja Brasília como uma "ilha da fantasia", todos os políticos que ali se encontram vieram de outros lugares. A grande maioria é formada de jecas gananciosos que se deslumbram com o falso luxo desses restaurantes. Imaginam terem alcançado os píncaros da elite ao verem seu jantar sendo pago por uma empreiteira ou empresa de consultoria.
Encantam-se com vinhos e uísques, cujos nomes são incapazes de pronunciar, inclusive os nacionais, e as sonoras taças de cristal. Olhos brilham e bocas salivam diante de camarões e lagostas mal cozidos. Falam e riem alto para chamar a atenção ou por falta de educação básica mesmo.
Ficam absolutamente fascinados com a infinidade de talheres e os preços cobrados. Fingem entender tudo que lhes é explicado pelo Maitre e pelo Sommelier, previamente azeitados com polpudas gorjetas. O jecas são fisgados como peixes numa bacia.
Alexandre voltou a consultar o relógio: 21h38. Como aquilo era um jantar e ele não era o noivo numa cerimônia de casamento, decidiu ir embora. Estava se levantando quando Mércia chegou. Estava lindíssima num vestido de seda champanhe. As alças finíssimas denunciavam a ausência de soutien e davam um ar de perigo eminente, podendo romper a qualquer momento.
- Eu sei, estou atrasada né?
- Muito ...
- Me desculpa Alexandre, mas é que tivemos um probleminha no fechamento, sabe como é né?
- Na verdade, não sei como é. Foi você quem marcou o horário e eu respeito muito a pontualidade.
- Ah, desculpa, vai ... mas, o importante é que estamos aqui. O restaurante é lindo não? Você gostou?
- Ainda não consegui ver muito ... pouca luz ...
Alexandre puxou a cadeira para que Mércia sentasse. Ela ficou meio sem saber o que fazer. Mas, foi apenas por um instante. Não estava acostumada com gestos gentis. Ao contrário, sua vida sempre fôra marcada pela brutalidade, a grosseria e a rudeza. Os homens com quem se relacionou, de qualquer forma, só queriam uma coisa dela e não era preciso cortejá-la para isso.
Ela também não era menos rude. Apenas se utilizava de uma personagem meio inocente para atiçar ainda mais os impulsos e fantasias dos mesmos jecas que tinham seus jantares pagos em restaurantes como aquele. Era uma luta, uma troca grosseira de interesses e todos se davam por satisfeitos.
O jantar transcorreu com naturalidade. Ela pediu um prato com camarões e ele foi de filé de atum grelhado com crosta de castanhas. Embora o delegado estivesse mais inclinado para o Pinot Noir, consumiram uma garrafa de vinho chileno, uva Cabernet Sauvignon, safra 2008. Um ano na madeira, deu-lhe estrutura e manteve os taninos suavemente domesticados.
- Mas, com esses pratos, não deveríamos estar tomando vinho branco? - perguntou a jornalista.
- Isso é um mito largamente difundido por aqui. Mas, é possível sim harmonizar frutos do mar com vinhos tintos. Só é preciso saber como e aqui na América Latina pouca gente sabe. Temos excelentes tintos frutados que harmonizam muito bem.
- É mesmo?
- Experimente, arrisque, descubra possibilidades, novos parâmetros, destrua mitos paralisantes ...
- Nossa ... que delícia! Casou perfeitamente com o meu prato. E o seu?
- Perfeito.
A conversa girou em torno de amenidades e recordações de viagens. Quando a sobremesa pousou sobre a mesa, o assunto também chegou onde estava planejado chegar. Mércia pediu Creme Brûllée e duas colheres.
- Então, Alexandre. Tenho uma proposta para te fazer. Temos interesses em comum e poderíamos trabalhar juntos, compartilhar informações e lucrarmos juntos. Seria bom para nós dois. O que você acha? - perguntou a repórter olhando nos olhos do delegado e levando a colher cheia de creme à boca.
- Depende Mércia, depende - respondeu Alexandre mantendo olhar fixo no dela.
- De que? - a colher foi enterrada no creme, estalando a crosta de açúcar queimado.
- Do que você tiver para compartilhar. Um negócio só é bom quando é bom para todo mundo - a colher do delegado também penetrou fundo o creme, quebrando a fina crosta açucarada.
- Tenho muita informação de bastidor que pode ajudar na sua investigação - a repórter encheu a boca de creme.
- Tipo o que? - a colher do delegado parou a meio caminho da boca.
- Tipo quem levou, de onde, quanto ... - falou com dificuldade a repórter por estar com a boca cheia.
- Me dê uma amostra grátis - a colher do delegado continuava parada no ar.
- Só se você me der uma também - ela enfiou com força a colher no creme.
- É justo. Combinado. Você primeiro - o delegado finalmente abocanhou a sua porção de creme.
Mércia contou verdades e mentiras sobre as festas da ministra. Ela não sabia que a ministra gravava e que Alexandre estava com as gravações. Assim, relatou aquilo que lhe interessava. Mas, como todo bom jogador de pôquer, o delegado sabia administrar o jogo para tirar o máximo possível do oponente.
Alexandre tirou um pendrive do bolso da camisa e ficou rodando o dispositivo entre os dedos. Os olhos de Mércia se arregalaram. Ela largou a colher e não tocou mais no Creme Brûlée.
- Tenho gravações das festas aqui neste pendrive. São vídeos reveladores.
A expressão no rosto de Mércia era um misto de espanto e curiosidade. Como uma criança diante dos presentes embaixo da árvore de Natal. Ela chegou a levantar a mão, como que querendo pegar o pendrive, mas recuou em seguida. Algo parecido com vergonha ruborizou por um instante a sua face.
- Como assim? Vídeos?
- Sim, vídeos. Muitas pessoas interessantes aparecem neles e fazendo coisas que até Deus duvida ... interessa?
- Claro, interessa sim ... mas, me conte mais sobre o conteúdo desses vídeos ...
- A ministra gravava as bizarrices, perversões e taras dos convidados para poder chantagear depois. Você não sabia?
- Não! Como eu poderia saber?
- Por que você está em alguns deles.
Mércia já pressentira que a revelação estava a caminho. No momento, ela tentava controlar o pânico, que nunca havia sentido. Sempre estivera no controle das situações. O embaraço era sempre dos outros. Assim que acalmou os milhares de pensamentos que se agitavam como um furacão em sua mente, ela se perguntou: "o que esse delegado está pretendendo?"
- Você assistiu os vídeos?
- Quase tudo. É muita coisa. Ainda estou assistindo, mas o que já vi dava para derrubar mais da metade desse governo e colocar numa saia justa - sem trocadilho - boa parte do corpo diplomático, brasileiro e estrangeiro.
- E o que você pretende fazer com isso?
- Você falou em compartilhar informações e lucrarmos juntos ...
- O que você quer de mim?
- Eu tenho meus problemas internos lá na polícia. Desconfio que o diretor Miguel Brochado e seus vermes estão querendo me queimar. Então preciso me proteger e à minha equipe, entende? Você esteve com ele, deve ter ouvido alguma coisa que possa me ajudar.
- Realmente, ele te odeia. Babaca foi o palavrão mais suave que ele usou para se referir a você. Também foi dele a ideia de colocar a sua foto na primeira página do jornal. Ele insistiu nisso. Era como se ele soubesse que isso facilitaria o atentado contra vocês. Disse várias vezes que te queria morto.
- Como você conseguiu que ele te desse as informações sobre a investigação?
- Ora, delegado, se você assistiu os vídeos, já sabe como consegui. Aliás, eu consegui, mas ele fez jus ao sobrenome (risos). Ele ainda tomou umas doses de whisky, mas não adiantou. Pelo tempo que ele ficou enrolando, acho que estava esperando que o Viagra fizesse efeito. Esforço jogado fora (risos).
- Você tem alguma evidência que eu possa usar?
- Infelizmente não.
- O que mais você tem para me dar?
- Olha Alexandre, nós bem que poderíamos complementar esse nosso acordo com alguns benefícios extras ...
- Se eu não estivesse comprometido, talvez até rolasse, mas não vai dar. Vou lhe dar esse pendrive em confiança. Assim que você tiver mais informações que possam me ajudar, é só me ligar nesse número - o delegado entregou o pendrive junto com um cartão onde havia impresso apenas um número de telefone.
- Garçon! A conta por favor - pediu o delegado.
- Pode deixar essa comigo, Alexandre. O jornal paga por esses encontros com fontes e você é hoje a maior de todas as fontes. Posso usar o material desse pendrive?
- Fique à vontade.
Alexandre deixou o restaurante e entrou em seu carro. Pegou o celular e ligou para Gabriel.
- Pronto Gabriel, ela está com o pendrive.
- Agora é só esperarmos ela plugar no computador e teremos acesso total a tudo que estiver armazenado lá. O vírus que coloquei no pendrive vai remeter tudo automaticamente para o meu computador e ainda posso monitorar à distância e em tempo real.
- Rapaz, você é um gênio!
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Ééééé ... queridas(os) leitoras(es). Viver é perigoso e quem vive mentindo um dia se atrapalha, experimenta do próprio veneno. A lei do retorno não falha. E não é nada esotérico, é Física pura mesmo. O que será que nossos bravos policiais vão encontrar no computador de Mércia Trancoso?
Ajude-nos a pensar nisso : )
E como nos bem recomenda o
Romoaldo todas as manhãs, de segunda a sexta-feira, em nosso quadro na
CBN Recife e, em seguida, aqui no nosso
podcast :
Um abraço e bom café!
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