sexta-feira, 2 de julho de 2010

A Estrada (The Road), a esperança e o sonho


Ricardo Icassatti Hermano

Imagine que você tem uma vida confortável, uma esposa linda e grávida. Um dia você acorda e o mundo está em chamas, como no Armagedon. E ficará assim pelos próximos 10 ou 12 anos. A única previsão é o fim de tudo. Lentamente.

A vida se resume a uma busca diária por comida e um lugar seguro para dormir. Apesar do fogo que devora tudo, o planeta está cada dia mais frio. Os próprios seres humanos se tornaram fonte de alimentação. Uma grande parte daqueles que têm armas se tornaram canibais.

O que você faria?

Pois é. Pense num filme tenso. Foi o que assisti ontem em casa. O filme chama-se The Road (A Estrada) e conta aquele pesadelo ali de cima. Um pai, vivido pelo excelente ator Viggo Mortensen, é o sujeito que acorda um dia e se depara com o fim do mundo. Sua esposa, interpretada pela sempre lindíssima Charlize Theron, está grávida.

Cartaz do filme

Anos se passam. Interpretado pelo ator revelação Kodi Smit-McPhee, o menino cresce num mundo em destruição constante. A mulher não suporta aquele sofrimento e se mata. Diante das circunstâncias altamente deterioradas, o pai não tem alternativa a não ser abandonar a casa onde moram e procurar um lugar melhor para o seu filho.

Pai e filho enfrentam um mundo sem regras

Mas, onde? Que direção seguir? Como enfrentar os muitos perigos que os esperam? E o mais importante, de onde vem a força para nutrir essa esperança? Por que não se matar logo, como a maioria faz? Afinal, o que restou? O mundo só tem a oferecer fome, desgraça, crueldade, desolação, loucura e morte.

O que você tentaria ensinar ao seu filho nessas circunstâncias?

Acredito que temos alguma programação genética para isso. Deve ser algo relacionado ao instinto de sobrevivência. Mesmo sabendo que é uma luta inútil, que a morte é certa, continuamos lutando, buscando e imaginando dias melhores em meio ao total desespero. O fato de ter um filho também ajuda. Somos programados para sobreviver como espécie. Parte disso é a procriação e o cuidado com os filhos.

Como disse, o filme é tenso. Prepare-se para assisti-lo com o batimento cardíaco um pouco acima do normal e com uma grande dose de angústia. Apesar disso, o filme tem sua beleza. Esteticamente, o diretor de fotografia Javier Aguirresarobe foi brilhante. Um mundo coberto pelas cinzas dos incêndios.

Não menos brilhante é o trabalho do diretor John Hillcoat, que manteve o ritmo angustiante do primeiro ao último segundo do filme. Não pensem que isso é fácil. Muito mais fácil seria apelar para a pieguice ou o maniqueísmo rasteiro. O filme é seco. Os personagens sequer têm nomes e ninguém percebe esse detalhe.

Medo, fome, solidão e perigos

Não se preocupe. Não há sustos no filme. Essa seria outra escolha errada. A história muito bem contada pelo roteirista Joe Penhall, a partir do livro homônimo do escritor Cormac McCarthy, não buscou obviedades. Assistimos o filme com as emoções na superfície da pele, sem tirar os olhos da tela, quase sem respirar.

Deve ser porque não é possível deixar de traçar um paralelo com as nossas vidas. Não nos damos conta da vida boa que temos, das belezas que nos cercam, da luz, das cores e como é bom termos as certezas que temos. Como a de encontrar mais um dia normal ao acordarmos. Não nos damos conta da fragilidade de tudo, da insegurança, dos perigos, até que algo nos atinja com força suficiente para nos tirar desse sono.

E não pense que esse cenário é pura ficção. O desastre provocado pelo furacão Katrina em 2005 e que destruiu a cidade de New Orleans, mostrou que o ser humano tem um verniz muito fino de civilização. Numa situação de desastre e escassez de recursos, a esperança e a solidariedade desaparecem. O caos toma conta e vale a lei do mais forte.

Robert Duvall faz apenas uma ponta, mas mata a pau na interpretação e rouba a cena. Mostrou com todas as letras o que significa ser um ator de verdade. Sensacional e emocionante. Outra ponta é feita pelo também excelente Guy Pearce.

Quer ser ator? Preste atenção nesse cara

Assista o filme e pense nisso tudo. Aliás, não há alternativa. Tenho certeza que você vai pensar nisso. Muito. Se tiver coragem de assistir, é claro. Meu filho mais velho e esposa não conseguiram assistir o filme até o fim. Por enquanto, fique com o trailer ...



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