sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Arroz de Gariroba e a Maior História de Resistência


Ricardo Icassatti Hermano

Dei muito trabalho ao meu pai. De um garoto tímido na infância passei a adolescente "rebelde" e doido para cuidar da minha vida. Desde os 14 anos de idade, já queria trabalhar, ganhar a minha grana e sair de casa. Meu pai, em sua infinita paciência, me convencia a continuar estudando.

Eu queria conhecer o mundo, queria navegar por todos os oceanos como um pirata, sem compromisso e sem patrão. Fazer o que me desse na cabeça. O que eventualmente acabei fazendo.

Com toda a minha falta de experiência, quebrei a cara muitas vezes, dei algum prejuízo material, fui preso algumas vezes e expulso de duas escolas. Meu pai apenas ria muito de tudo. Até mesmo quando tinha que me levar ao Pronto-Socorro.

Ele sabia que aquilo era parte da minha caminhada na vida. Embora não soubesse demonstrar carinho ou sequer falar sobre o amor que sentia pelos filhos, meu pai jamais me deixou na mão. Sempre que precisei dele, até nos momentos em que dei todos os motivos para que não o fizesse, ele me ajudou. Era o seu jeito de dizer que me amava.

Meu pai se chamava Manoel Hermano. Simples assim. Um nome e um sobrenome, nada mais. Mas, na família era conhecido pelo apelido de Manduquinha, diminutivo de Manduca, apelido do meu avô, pai do meu pai. Meu avô era um homem do tipo que não mais existe. Era um negro duro como pau-ferro, severo - só o vi sorrir uma vez - e elegante como um artista de cinema.

Tenho poucas lembranças dele. Eu era muito pequeno, mas ficaram umas imagens. Certa vez, estávamos meu irmão e eu na porta da casa dos meus avós em Goiânia. Meu tio Tinim (diminutivo de Modestino) dava voltas na rua conosco em sua Lambreta. Talvez venha daí a nossa paixão por motocicletas.

Era um final de tarde quente, num domingo. Meu avô estava saindo de casa para ir a uma reunião da Maçonaria. Vestia terno branco de linho, chapéu Panamá, um guarda-chuva pendurado no braço esquerdo. Ele parou no portão e ajeitou o paletó. Foi quando vislumbrei o revólver calibre .32 na cintura. Para mim, era como ver o Super Homem.

Mesmo assim meu pai me contou que quando me conheceu, ainda bebê, meu avô fez algo que espantou a família: passou minhas fraldas. Décadas depois, era eu passando as fraldas dos meus filhos nas madrugadas após a faculdade.

Meu pai era parecido comigo em algumas coisas. Ele mesmo abandonou Goiânia ainda bem jovem e se mandou para o Rio de Janeiro para se tornar um artista. Pintava quadros e queria cursar a Escola de Belas Artes. Logo tomou um choque de realidade. Aquilo não era para um sujeito pobre como ele, que precisava trabalhar para sobreviver.

Estudou desenho técnico, veio para Brasília e se formou arquiteto na primeira turma da UnB. Teve a sorte de ter Darcy Ribeiro como reitor, aulas ao ar livre e como paraninfo da turma o arquiteto Oscar Niemeyer. Mas, também amargou o golpe militar de 1964 e seus desdobramentos. Generoso, abrigou um professor russo de matemática lá em casa por uns dias. O professor em fuga estava sendo procurado pela polícia.

Nossa casa, na verdade um apartamento de três quartos, abrigou boa parte dos primos que vieram de Goiânia para estudar na UnB. Tive uma infância muito divertida, porque convivia com primos mais velhos. Acho que era a única criança que sabia o que estava acontecendo na política e na música durante os anos 1960. Aprendi logo a namorar, fumar e beber. Larguei o cigarro quando meu primeiro filho nasceu. Bebo pouquíssimo, mas continuo namorando : )

Esse era o meu pai, o Manduquinha. As saudades são gigantescas. Hoje, compreendo coisas que ele me disse, coisas que ele fez e não fez. Sei porque. como, onde e quando. Estou passando por momentos semelhantes com meu filhos. Mas, como tudo evolui, faço questão de demonstrar meu amor por eles. Tenho certeza que isso não será nem uma preocupação deles com os meus netos. Será apenas natural.

Eu gostaria de ter meu pai ainda. Gostaria de conversar calmamente com ele, relembrarmos as minhas cagadas e rirmos juntos. Gostaria de pedir conselhos e saber sua opinião sobre vários temas. Gostaria de vê-lo retomando a pintura e convivendo com os netos. Infelizmente, não posso.

O que posso fazer é praticar as lições de vida que me deixou. Especialmente aquelas relacionadas à resistência. Para me criar, meu pai teve que ser muito resistente. E essa é a maior história de resistência que conheço. A história do meu pai.

A receita de hoje é de um prato típico da cozinha goiana que ele adorava. Eu não gostava muito de um dos ingredientes, mas com o tempo acabei gostando. Esse ingrediente é um palmito retirado da palmeira chamada Gariroba, muito apreciado no Centro Oeste e Sudeste. Tem sabor bem amargo e está presente em vários pratos diferentes da culinária goiana.

Na receita de hoje, a Gariroba acompanha o ingrediente que nos acompanhará até dia da eleição e simboliza a Trincheira da Resistência contra o autoritarismo, a censura e a corrupção. Vamos a ela então.

Arroz de Gariroba

Ingredientes
- 4 colheres sopa de manteiga

- 1 colher chá de vinagre

- 4 xícaras de água quente

- 2 xícaras de arroz
- 
400 gramas de gariroba cortado em pedaços pequenos

- Salsinha e cebolinha picada para polvilhar
- 
1 cebola pequena bem picadinha

- 1 pimenta de cheiro picadinha

- Pimenta do reino a gosto

- 2 dentes de alho picados

- 2 cebolas médias picadas

- Sal a gosto

Preparo

Numa panela, derreter a manteiga, acrescentar o alho e a cebola e deixar refogar em fogo baixo, mexendo de vez em quando. Adicionar a Gariroba e refogar por uns 5 minutos, mexendo sempre com uma colher de pau.

Acrescentar o arroz, fritar um pouco, e juntar água. Tampar a panela e deixar cozinhar. Antes de apagar o fogo, colocar pimenta de cheiro, e, na hora de servir, acrescentar e misturar cebolinha, salsinha, pimenta do reino, a cebola e o vinagre.

Se a Gariroba estiver em conserva, usar diretamente. Se for 'in natura', aferventar por uns 50 minutos trocando a água para não ficar tão amarga. Se desejar, adicionar um pouco de suco de limão.

Esse arroz acompanha bem as carnes.

Essa é a famosa Gariroba

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