Ricardo Icassatti Hermano
Eu estava escolhendo uma história inspiradora para, como de costume, acompanhar a receita com arroz da Trincheira da Resistência. Confesso que estava meio preguiçoso e enrolei um bocado antes de iniciar a pesquisa. Mas, eis que de repente, o mote me caiu no colo.
Novamente, fui conversar com um dos meus filhotes, num dia desses ...
- Pai, você falou que o mundo está cheio de gente ignorante, intolerante e violenta.
- Preciso fazer um acréscimo aí. O mundo tem todo tipo de gente. Nem sempre os violentos são completamente ignorantes; nem sempre os ignorantes são violentos; nem sempre os intolerantes são ignorantes. Você vai encontrar esses traços em várias medidas, em várias combinações e em várias pessoas. Elas podem ser intolerantes e inteligentes, espertas e violentas e assim por diante. Não existe um tipo padrão e nem tudo é simples. E tem muita gente bacana também.
- Então fica difícil reconhecer e distinguir quem é o que, né?
- No início é difícil mesmo. Mas, com o tempo você começa a perceber certas pistas que cada característica deixa transparecer. No começo, você vai pensar que o sujeito não sabe direito sobre o que está falando ou que faltam-lhe neurônios para desenvolver um raciocínio. Ou até que ele tem uma mente que embola as coisas. Aos poucos, você perceberá que há um método ali, que a conversa está se encaminhando para um rumo pré-determinado. Essa não é uma mente que embola. É uma mente perigosa. É um provocador.
- Por exemplo ...
- Por exemplo o sujeito violento. Esse sempre vai tentar fazer com que você pareça violento. O fato de sermos praticantes de artes marciais não ajuda muito. Ele vai provocar e fazer acusações veladas, do tipo: "você gosta de brigar". Vai tentar ofendê-lo atacando e questionando os seus princípios éticos, morais etc. Mesmo que eles não sejam o objeto do entrevero.
- Se eu cair nessa armadilha, tô lascado.
- Exatamente. Mesmo que você nunca tenha agredido uma mosca, se reagir da maneira como o provocador quer, imediatamente ficará com a pecha de violento, desequilibrado ou coisa pior.
- Você já caiu numa dessa pai?
- Já tentaram muitas vezes. Quando era mais jovem, dei uma escorregada aqui e ali, mas nada comprometedor. Logo percebi o que estava acontecendo. Você é lutador de artes marciais como eu e sabe que o principal fundamento da arte é a auto-defesa e nunca o ataque inicial.
- Por isso que sempre começamos os Katas com uma defesa né?
- Treinamos assim para nos condicionarmos a só atacar após nos defendermos de um ataque. Mas, nem sempre o ataque do outro é tão explícito e físico assim. Às vezes, um ataque com palavras pode ser mais perigoso que um soco.
- Você já enfrentou um ataque desses?
- Algumas vezes.
- E como é que faz?
- Faça o que você aprendeu no Dojô, seja leal e não entre no jogo do outro. Explique a quem o provocou a esse ponto, que você vai quebrar a cara dele e porque fará isso. Ao mesmo tempo, explique que ele terá todas as oportunidades e chances de se defender, que a luta será em pé de igualdade, mano a mano e que não adianta tentar fugir. Explique que você espera dele a mesma lealdade e, principalmente, hombridade. Nada de ir correndo para uma delegacia prestar queixa de agressão. Homem que é homem assume a responsabilidade sobre o que faz. Apanhou porque mereceu. Geralmente, esse tipo de gente não tem essas qualidades.
- E eu quebro a cara dele?
- Não meu filho, não será preciso. Não batemos em covardes, nem em gente mais fraca que nós. Quanto maior o oponente, melhor. O provocador certamente vai fugir, se trancar num banheiro e não vai incomodar mais. Esse tipo de gente não tem a fibra necessária para entender que numa luta a gente entra disposto a apanhar e não a bater. Essa é uma diferença fundamental. Eles não sabem e não aguentam apanhar. Muito menos bater. Você só precisa mostrar a mesma atitude e disposição tranquila para o embate que utiliza nos treinos. Mostre que os atos dele têm consequências. Eles se apavoram diante dessa força que não tem nada a ver com músculos, mas sim com o espírito. Por mais de uma vez, já fiquei horas com um sujeito pulando na minha frente, xingando, gritando que ia me matar. Até que ele se cansou e foi embora com o rabo entre as pernas. A única coisa que fiz, foi olhar para ele.
- Eu lembro de uma vez, quando eu era bem pequeno, de um desses caras gritando, esperneando e você olhando para ele. E onde entra a resistência?
- A resistência estava o tempo todo ali. Você não abriu mão um milímetro sequer dos seus princípios. Você os defendeu lindamente, de forma calma e pacífica, absolutamente Zen. A violência ficou com o outro, o piano que ele queria transferir para as suas costas, ficou nas costas dele. Lembra do limite sobre o qual conversamos? Daqui não passa! Se ele atacasse ...
Após a gostosa conversa com o filhote, fomos assistir e chorar um bocado com um vídeo do YouTube que tem tudo a ver com Resistência. Por mais que eu explique, as palavras são muito pobres diante das imagens. Então é melhor assistir.
Aí bateu uma fome de leve. E deu até vontade de treinar. Para mim, o local da luta é o lugar mais pacífico do mundo. Certa vez, fui competir num Torneio Brasileiro de Ken Jutsu, lá em Campinas. Ao entrar no ginásio de esportes, me deparei com mais de 200 lutadores treinando para as lutas que viriam a seguir. Nunca senti tanta paz. Foi como retornar à minha pequena aldeia após uma longa ausência. A inspiração para a receita de hoje foi a própria conversa sobre os Mentes Emboladas.
Bolinhos de Arroz
Ingredientes
- 2 xícaras de arroz cozido
- 1/2 xícara de leite
- 2 ovos
- 2 colheres sopa de queijo parmesão ralado
- 2 colheres sopa de farinha de trigo
- Cheiro verde a gosto
- Sal
- Pimenta do reino branca
Preparo
Bata todos os ingredientes no liquidificador, menos a farinha de trigo. Despeje em um recipiente, acrescente a farinha e misture bem com as mãos. Faça os bolinhos e frite em óleo quente. Coloque sobre papel toalha para absorver o excesso de óleo. Acompanha fatias de limão, mostarda, ketchup, molho inglês etc.
happy hour na Trincheira da Resistência
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