domingo, 20 de janeiro de 2013

Django e a "causa" ...

Ricardo Icassatti Hermano

Quentin Tarantino realmente domina a arte do cinema. Especialmente o tipo de cinema que faz: Trash Movie. Depois de um bom almoço, fui com a filharada assistir a mais recente obra do diretor, Django Livre (Django Unchained). Lá em casa não há dúvida, Tarantino é um gênio na sua área e estilo. Mas, tem gente que não gosta e até queria vê-lo defendendo uma suposta "causa" em seu novo filme.

Cartaz do filme

Segundo me relataram - porque não perco meu tempo com isso - o premiado diretor de cinema Spike Lee deu entrevista dizendo que se recusa a assistir esse filme. Ora, disse eu, azar o dele, que perdeu um filmão. Também li por aí sobre a falsa polêmica em torno do "uso excessivo" da palavra "nigger", algo como "crioulo" numa tradução livre. 

Graças a Deus a democracia americana não discute mais a liberdade de expressão e de opinião. Aqui no Brasil ainda é um Deus nos acuda, mas também ainda não somos uma democracia. Assim, a falsa polêmica foi logo desmascarada por um professor universitários afro-americano, estudioso da escravidão, que defendeu o uso da palavra no filme pois se trata de um filme de época e naquela época era essa a palavra usada. Óbvio né? Hoje, a palavra é tão politicamente incorreta que a imprensa se refere a ela como "the n-word". Eis um belo artigo sobre o assunto.

Tarantino é detalhista e dirige todas as cenas e enquadramentos


A verdade é que Quentin Tarantino faz o que gosta, da maneira que acha melhor e tem a liberdade de fazê-lo garantida pela Constituição americana. O que para algumas pessoas é imperdoável. E ainda bem que é assim.


Mas, vamos ao filme. Tarantino voltou ao que gosta de fazer e mais uma vez nos apresenta uma história de vingança com muita violência estilizada. As explosões de sangue são pura história em quadrinhos e a psicopatia não escolhe um lado, "bem" ou "mal", tanto faz. Ela apenas está lá em todo lugar, em todos os personagens e se manifesta de todas as formas possíveis, incluindo as cômicas. Como a discussão entre um bando de caipiras texanos retardados sobre os capuzes estilo Ku Klux Klan que estão utilizando para um ataque.

Cada tiro é uma explosão de sangue. Exagero como estilo

Os diálogos são um capítulo à parte. Pouca gente hoje na indústria americana do cinema sabe escrever diálogos como o Tarantino. Basta ver a tentativa patética de copiá-lo no filme O Homem da Máfia (Killing Them Softly). Dá vergonha alheia. Prestei bastante atenção na reação da plateia durante as cenas violentas de Django Livre, quando as pessoas riam ou comentavam, e durante os diálogos, quando todos se calavam e não desgrudavam os olhos da tela. 

Franco Nero, o Django original, faz uma ponta

Outra coisa que prestei atenção foi na reação durante as cenas ultrarrealistas de maus tratos aos escravos. As pessoas gemiam no cinema e soltavam um "puta merda" aqui, um "puta que pariu" ali, um "caralho" acolá. A crueldade pura e simples, retratada sem qualquer brandura, ainda choca. Nessas cenas, Tarantino não usou o estilo cartoon sangrento, apenas os fatos e suas consequências. O cara sabe o que faz.

Um caçador de recompensa e um escravo se juntam
e tem início a aventura

Jamie Fox faz o papel principal, Django, um escravo que se associa a um alemão, o excelente Christoph Waltz interpretando o Dr. King Schultz, um caçador de recompensa que se disfarça de dentista e no fundo é um grande golpista. De lambuja, Django leva a liberdade e a promessa de recuperar sua esposa, agora propriedade de um fazendeiro do Mississipi, uma bicha cruel chamada Calvin Candie e bem interpretada por Leonardo Di Caprio. O nome da fazenda é Candyland ...

Calvin Candie, uma bicha escravocrata e cruel

Outro trabalho excepcional de atuação fica por conta do Samuel L. Jackson, que interpreta Stephen, o escravo odiado pelos demais escravos, aquele que cuida da casa grande e se alia ao dono dos escravos. Consegue uma vida boa, longe do trabalho pesado e dos castigos brutais. Mas, é um tremendo fingido, malandro, dedo-duro e atua para manter o controle dos escravos. No filme, ele ainda é um conselheiro de Calvin Candie.

Samuel L. Jackson, um ator sensacional que escolhe o papel que quiser  em qualquer filme do Tarantino

Claro que tudo isso regado a sangue, tiros, explosões etc. Afinal, é isso o que queremos assistir quando vamos ao cinema para ver um filme do Tarantino. Se quiséssemos ver um romance, um documentário, um drama ou qualquer outra coisa, procuraríamos outro filme. E o diretor, que também é o autor do roteiro, nos entrega o que promete: Entretenimento de primeira. Nada além disso. Tanto ele não se leva a sério que interpreta um caipira que termina explodindo. 

Caipiras texanos retardados

Tarantino brinca com a realidade e a sua fértil imaginação. Ele, como qualquer pessoa, também pensa: "puxa, essa história poderia ter sido diferente, ter um outro final". A diferença é que ele domina a arte do cinema e executa brilhantemente suas fantasias, suas histórias e seus finais. A maioria de nós fica apenas no pensamento. Ele ainda precisa enfrentar gente chata que vai assistir seus filmes e quer ver justamente o que ele nunca se propôs a fazer. 

Elenco tipo fodástico

Django Livre não é um panfleto contra a escravidão, mas traz a figura do escravo furioso que se vinga matando seus opressores, o que ainda assusta muitos brancos americanos. Ao mesmo tempo, o protagonista nada faz pelos demais escravos. Ele tem apenas um objetivo que é resgatar sua mulher e no máximo aconselha os demais a se virarem. Django é tão psicopata quanto os outros personagens. Assiste impassível um escravo ser destroçado por cachorros para não comprometer seu disfarce. É a vida. Precisamos estabelecer prioridades e fazer escolhas. 

Aprendam, não existe psicopatia do "bem" ...

O Café & Conversa assistiu Django Livre, gostou muito e recomenda fortemente, é diversão para toda a família. Veja o trailer:


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