quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Arroz de Bacalhau e O Pasquim, a resistência com humor


Ricardo Icassatti Hermano

Em 2004, o pensador e filósofo italiano Giorgio Agamben disse em uma entrevista que rejeitou o convite de lecionar na Universidade de Nova Iorque porque se recusava a ser submetido ao cadastramento imposto pelo governo dos Estados Unidos a todos os estrangeiros.

Giorgio Agamben

Ele explicou que tomou a decisão motivado pela "preocupação com a escalada das práticas de controle; com o fato de medidas de excepcionais estarem se tornando normais". Agamben ainda disse que "provavelmente está se aproximando o momento em que todos os cidadãos serão 'normalmente' controlados pelo Estado do modo que antes se usava somente para criminosos, nas prisões".

Na década de 1990, o filósofo já havia lançado o livro Homo Sacer, em que alertava para o risco de aniquilamento da "vida política" nos regimes democráticos contemporâneos. A preocupação dele não se restringe a ocorrências eventuais como o cadastramento americano, mas ao que vê como semelhança de práticas típicas de um regime autoritário, de estado de exceção.

Capa do livro que você deve ler

Se estívessemos na Europa ou na Venezeuela, já estaríamos sob o jugo do Nazismo e/ou do Fascismo. Ainda bem que estamos no Brasil. Aqui temos o humor como uma das melhores armas para combater e resistir aos fascistóides de plantão. E um dos grandes símbolos desse tipo de resistência é o extinto jornal semanal O Pasquim.

Primeira edição do Pasquim

O jornal nasceu no Rio de Janeiro em 1969, uma época particularmente difícil. Em 13 de dezembro de 1968, o marechal Arthur da Costa e Silva assinou e obrigou todos os ministros do seu governo a assinarem o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suspendeu garantias constitucionais e deu carta branca para a repressão. Como pretexto, a ditadura militar utilizou o discurso feito na véspera pelo então deputado federal Márcio Moreira Alves, do antigo MDB.

Foi nessa reunião para assinatura do AI-5 que o então ministro do Trabalho e da Previdência Social, Jarbas Passarinho, disse a famosa frase: "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência" (Folha de São Paulo - 1968 - Ato Institucional nº 5 - Os Personagens).

Foi nesse contexto que o cartunista Jaguar e os jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral (o pai e não o filho vergonhoso) decidiram lançar um jornal humorístico que se opusesse à ditadura. Depois se juntaram a eles Ziraldo, Millôr, Prósperi, Claudius e Fortuna. O semanário ainda contava com a colaboração de nomes como Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa, Carlos Leonam, Sérgio Augusto e, eventualmente, Ruy Castro e Fausto Wolff.

O símbolo escolhido para o jornal foi o ratinho Sig (de Sigmund Freud), criado por Jaguar e baseado numa piada da época que dizia: "Se Deus havia criado o sexo, Freud criou a sacanagem".

O ratinho Sig simbolizava o esculacho

A famosa entrevista da atriz e minha musa, Leila Diniz, no final dos anos 1960, levou a ditadura militar a instaurar a censura prévia nos meios de comunicação através de um decreto que foi "batizado" com o nome dela. Em novembro de 1970, O Pasquim publicou uma sátira do quadro de Dom Pedro às margens do Ipiranga declarando independência de Portugal (o quadro é de Pedro Américo).

Leila Diniz foi uma paixão avassaladora da minha pré-adolescência

Uma reprodução do quadro foi publicado na capa do jornal. Sobre a cabeça de Dom Pedro um balão com os dizeres: "Eu quero mocotó!", que vinha de uma música (Eu também quero mocotó) composta por Erlon Chaves que fez muito sucesso. Resultado: toda a redação do Pasquim foi presa, menos Jaguar que conseguiu escapar. Nos quatro meses de prisão, Jaguar resistiu e manteve o jornal funcionando com a colaboração de Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara, Gláuber Rocha e diversos intelectuais cariocas.

Essa capa deixou os militares furiosos

As prisões continuaram e a coisa engrossou na década de 1980. As bancas que vendiam jornais alternativos como O Pasquim, passaram a sofrer atentados a bomba. Temendo ameaças, cerca de metade dos postos de venda decidiram não mais repassar o jornal carioca. Veio a abertura política e o jornal foi perdendo a sua razão de existir.

No Carnaval de 1990, a escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz homenageou toda a equipe de O Pasquim com o enredo "Os Heróis da Resistência". O último exemplar do jornal foi publicado em 11 de novembro de 1991. Era a edição nº 1072 ... porco, no jogo do bicho. A última anedota.

Eu teria muito mais a dizer, mas a intenção da Trincheira da Resistência é apenas ilustrar e contextualizar as receitas cujo ingrediente básico é o arroz. A missão é resistir a todas as tentativas autoritárias e fascistas de controlar opinião e pensamento no Brasil, exercendo justamente a liberdade de expressão, opinião e pensamento. Uma resistência bacana : )

A receita de hoje é uma homenagem ao pessoal do Pasquim que soube resistir nos fazendo dar boas risadas. Como o jornal é iminentemente carioca, a receita segue o padrão da cidade maravilhosa.

Arroz de Bacalhau
3 a 4 porções

Ingredientes

- 600 g de bacalhau dessalgado e desfiado em lascas
- 2 cebolas grandes picadas
- 250 ml de azeite extra virgem
- 2 dentes de alho
- 1 colher chá de orégano
- Sal, pimenta do reino e água suficientes
- 2 xícaras de arroz
- 4 tomates maduros sem pele e cortados em rodelas
- 1 ramo de salsa e cebolinha bem picado

Ingredientes

Numa panela, leve ao fogo a cebola em 200 ml de azeite. Refogue até alourar e junte metade das lascas de bacalhau. MIsture bem e adicione o alho esmagado, um pouco do orégano, sal e pimenta do reino moída na hora.

Junte o arroz e misture bem. Adicione a água pré-aquecida. Deixe cozinhar por cerca de 5 minutos. Retire do fogo, escorra bem e reserve.

Frite a outra metade do bacalhau e os tomates no resto do azeite.

Numa forma refratária untada, disponha camadas alternadas de arroz e de bacalhau com tomate até acabar. Polvilhe com orégano, tampe com papel alumínio e leve ao forno MÉDIO por cerca de 30 minutos.

Retire e sirva guarnecido com salsa e cebolinha. Acompanhe com um bom vinho português.

Ora pois pois ...

2 comentários:

Sávio Barbosa disse...

a música "eu quero mocotó" não foi lançada pelo Simonal. ele nunca cantou essa música. quem compôs a música foi o Erlon Chaves e foi Lançada pelo Jorge Ben.

Café & Conversa disse...

Caro Sávio,

Obrigado pela informação. Já fizemos a devida correção no texto.

Abraço

Café & Conversa