Ricardo Icassatti Hermano, com valiosa ajuda feminina
A alma feminina é um grande mistério para os homens. Desconfio que seja até para as mulheres também. O que leva uma mulher a se interessar por um determinado sujeito? O que leva uma mulher a permitir que aquele determinado entre no seu universo, conheça detalhes da sua vida?
Nem Renoir conseguiu desvendar o mistério
Foi tentando desvendar esse mistério que me deparei com a seguinte situação. Mulher bonita, por volta dos 30 anos de idade, culta, profissional competente, criativa, cercada de bons amigos, mas procurando pelo cara certo que não aparece.
Um dia, essa mulher suspira ao conhecer um colega de trabalho no elevador da firma. Ele gentilmente havia segurado a porta para que ela entrasse. Um sujeito bem apanhado, educado e suavemente perfumado. Esses foram os primeiros itens a serem ticados por ela na lista de características fundamentais para um possível candidato. A atração brotou naturalmente.
Elegância, boas maneiras e um perfume discreto
Mais tarde, conversando com outras colegas durante a pausa para o café, assim como quem não quer nada, levantou a ficha corrida do rapaz. Soube que trabalhava no andar abaixo do dela, que havia sido dispensado pela namorada de longo tempo e por isso andava meio cabisbaixo com aquele olhar distante e tristonho de quem sofre por amor.
- Quem teria sido a louca que abriu mão de tão precioso espécime do gênero masculino? Será que ele precisa de colo? - pensou a moça, já imaginando como poderia oferecer seu ombro ao desolado rapaz.
A oportunidade não demorou a aparecer. Um amigo de infância estava lançando um livro sobre fungos que crescem na Antártida. Lá foi ela para a tarde de autógrafos na livraria. Apesar de não ser longa, a fila não andava devido a atenção - que desconhecia limite de tempo - dedicada pelo autor a cada leitor da sua tese de doutorado.
Ela então decide dar uma volta pelas prateleiras em busca de um guia de viagem sobre a Turquia, país que atiçava a sua curiosidade romântica. Bolsa, computador, livro do amigo e guia de viagem. Tudo foi ao chão quando o celular tocou em algum bolso ainda não identificado. Como ela mesma costumava dizer, é muita coisa para administrar.
Países exóticos atiçam a imaginação de moças românticas
Enquanto se decidia entre atender o celular e recolher seus pertences espalhados pelo chão, o homem atrás dela na fila se agachou e iniciou o resgate. Ela agradeceu sem olhar quem era o seu salvador. Estava atenta ao telefone ouvindo a musiquinha que a sua afilhada de apenas seis anos de idade aprendera na escola.
Ligação encerrada, ela verifica se havia recuperado tudo e deu por falta do guia de viagem sobre a Turquia. Olhou ao redor e, no meio do giro, deu de cara com o seu gentil salvador. O guia estava nas mãos dele, que o folheava displicentemente. Ela então soube que ele conhecia a Turquia e que gostava muito do país, especialmente a região da Capadócia.
Naquele momento, um dia conturbado e sem graça mudou de tom. O seu salvador e conhecedor da Turquia era ninguém menos que o homem do coração partido. A conversa engrenou, é claro, e ela nunca desejou tanto ficar numa fila que não anda. Ela ainda descobriu que o escritor e o salvador também eram amigos. Só familiares e amigos compram e querem autógrafos nesse tipo de livro.
Na saída, chuva torrencial. Na despedida, o homem de olhos tristes a convida para jantar no restaurante logo ali ao lado da livraria, pois ele mesmo não está mais fazendo suas refeições em casa. Após o chute da namorada, estava na fase "largadão". Neste exato momento, a mente feminina deu start no exaustivo processo de avaliação da situação e gerenciamento de crises:
- Meu Deus! Não acredito que ele está me convidando para sair! Meu gato precisa de ração! Minhas pernas não estão depiladas! Melhor assim ... Não, sua boba! Ele só quer ser educado e matar tempo! Jamais olhou pra você ... Mas, de repente, olhou! Meu gato está sem comer a mais de um dia e vai morrer de fome! Não acredito ... Sua tonta! Por que não comprou a comida do gato ontem? - E por aí vai ...
Desanimada com seus próprios pensamentos, ela disse que adoraria, mas antes precisaria alimentar seu gato. Como morava ali perto, sugeriu que se encontrassem em alguns minutos, após o cumprimento dos deveres "felino-maternais". Ele se ofereceu para acompanhá-la e perguntou se poderia utilizar o seu banheiro. O alarme da mente feminina soou ensandecido.
- Meu Deus! Mas, o banheiro está uma zona! E aquela calcinha velha secando no box? A cama! Nem arrumei hoje! - E por aí vai. Novamente.
Chegando ao apartamento, pediu que ele esperasse um pouco na sala. "Me dá cinco minutinhos?". Ele apenas sorriu e disse "tudo bem". Era um sujeito viajado, experiente, educado e cheiroso. Vistoria e arrumação rápidas, calcinhas voaram para o armário, o famélico gato foi alimentado e o banheiro liberado. Enquanto ele se aliviava, a cama teve os lençóis trocados em tempo recorde.
Uma chuva sempre ajuda ...
O convite para jantar acabou invertido. Ela o convenceu de que seria mais fácil fazer algo ali mesmo e evitar a chuva que só aumentava. Uma inspeção rápida na cozinha a colocou em modo "pânico". Além de uma garrafa de vinho (coisa que todo mundo parece ter), geladeira e despensa forneciam poucos ingredientes.
Uma cebola, alguns dentes de alho, azeite extra virgem, manteiga, sal, pimenta do reino, sementes de coentro, um pedaço de queijo parmesão e molho inglês. Na geladeira, um pacote de Capelletti (massa moldada a mão no formato de um antigo chapéu masculino italiano), com recheio de nozes e ricota.
Se eu disser com o que isso se parece, aí é que vão me chamar de machista mesmo
A coisa já melhorou de figura, mas nem tanto. Uma olhada desesperada ao redor e PIMBA! Os vasinhos de ervas que sua mãe lhe dava de presente todo mês. Santa e insistente mamãe!
Toda mulher deve ter esses vasinhos na cozinha
A ideia para o prato veio como um raio. Ela resolveu fazer um Brodo (caldo de legumes, carne ou frango) com as ervas para acompanhar a pasta. Seria um feito digno dos melhores chefs. O prato foi preparado com extremo cuidado e o homem do coração partido ajudou a cortar as cebolas enquanto narrava suas interessantes histórias de viagem, muitas aventuras pelo mundo.
Brodo é um caldo absurdamente delicioso
Um dia, querida leitora, pode ser que você esteja na mesma situação e precise lançar mão da criatividade incentivada pela carência e curar um coração partido. As mulheres são bem mais complicadas, como vocês podem notar pela extensão do texto. Por isso, mantenha suas calcinhas fora do banheiro, deixe sua cama sempre impecável e use a receita do Brodo. E ainda tem gente que me acha machista. Tremenda injustiça ...
Broken Heart's Brodo
Ingredientes
- 1 pacote de Capelletti semi pronto
- 1 cebola bem picada
- 3 dentes de alho inteiros amassados com a faca
- Azeite extra virgem
- 1 colher sopa de manteiga
- Molho Inglês Worcestershire em dose farta (50 ml)
- Alecrim fresco
- Tomilho fresco
- Sálvia fresca, no final 1 minuto antes de servir
- Pimenta do Reino
- Sementes de coentro
- Sal
- Queijo Parmesão
- 2 litros de água
Preparo
Aqueça o azeite e a manteiga. Refogue a cebola. Adicione o molho inglês (Worcestershire, por favor). Acrescente o alecrim, o tomilho e a água, alho, sal e pimenta. Acertar o molho inglês. Ferver por pelo menos 20 minutos.
Coloque o Capelletti no caldo e cozinhe pelo tempo indicado na embalagem ou até atingir o ponto al dente. Adicione a sálvia um minuto antes de servir. Sirva com um fio de azeite e Parmesão ralado na hora.
Isso cura qualquer coração partido ...
7 comentários:
No sul tb conhecida como Sopa de Agnoline! =D muito especial, de fato!
Gostei muito da singela estória!
beijo
Adorei o post e ri com a situação da moça. A receita, salvei.
Bj
Também ri, em plena redação, com o desespero da moça e o quão os pensamentos me pareceram fidedignos!
Em relação às fotos e à receita, fiquei com água na boca. Parabéns, senhores machistas (ambos donos desse blog).
Abs,
Flávia Barros
Muito bom mesmo o post Ricardo!
Bom, se vc é machista é daqueles q conhecem algo sobre nós!
Ri horrores! É bem assim mesmo q acontece. A parte da depilação em especial.
Por isso q não se deve marcar e desmarcar um encontro, pois o trabalho q uma mulher tem pra se arrumar é gigantesco!
Bom senso e senso de humor vc tem também! Até Ricardo
Ricardo,
Fiquei curiosa com duas coisas. Quem será a sua "valiosa ajuda feminina"? A outra pergunta é: onde encontro um homem de olhos tristes como esse? Estou achando que esse homem da estória é você mesmo. Gostei muito do texto. Beijos!!!
Ótima crônica.
É interessante ter um pouco do universo feminino descrito sob uma otica masculina (mesmo com a "valiosa ajuda").
Apenas acredito que homens também devem ter aqueles vazinhos em suas cozinhas. Geralmente, nós balzaquianas adoramos!;)
Hum, vou saborear um dia, nossa, deve ser fabuloso.
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