Ricardo Icassatti Hermano
Era apenas um almoço. Em um restaurante bastante frequentado por pessoal de escritórios. Preço bom, comida boa. Excelente combinação. Logo se tornou o preferido da galera executiva. Ele comia ali muito antes de atingir esse status. Para ele, foi uma mudança até legal. Muita gente nova e bonita passou a frequentar o local.
Ele sentou-se à mesa de costume e o garçom até já sabia o prato que seria pedido. Fez o pedido e se jogou em seus pensamentos. O olhar fixo num horizonte interno, enquanto flutuava entre as imagens, ideias e sentimentos que moravam em sua mente. Ficou assim por um tempo que não saberia contar. Até que algo, um movimento suave, o tirou daquele estado meditativo.
Era um grupo de três moças que haviam acabado de chegar e se sentar numa mesa em frente. Ele olhou com a displicência de quem está acordando e seus olhos encontraram os olhos de uma das moças. Ela vinha olhando para ele desde que entrara no restaurante. Talvez tenha estranhado aquele olhar perdido no espaço, ou percebido a profundeza em que se encontrava aquele homem e tenha ficado intrigada. Mulheres são felinamente curiosas.
No decorrer do almoço, ele tentou não olhar muito para a mesa em frente, onde as moças conversavam baixinho e riam alto. Mas, aquela moça trajava um vestido desses com um rasgo na lateral e a sua coxa estava totalmente visível. Mas, não era isso que insistia em atrair o seu olhar. Era simplesmente a beleza facial da moça. Especialmente quando sorria. Ela também tentava não olhar diretamente para ele, mas era algo inevitável. Os olhares se esbarravam a todo momento.
Ele resolveu manter o foco no almoço. Mas, sabe como é. Ela resolveu mais ou menos o problema dela, prestando atenção numa das amigas que falava pelos cotovelos e, pelas risadas, deviam ser estórias bem engraçadas. Bom para ele, porque ela sorria o tempo todo. Olhando para a amiga, podia olhar também para ele, meio de lado. Claro que ele percebeu a manobra e se aproveitou da situação passando a olhar muito mais para ela, que sequer piscava.
Findo o almoço, ele pagou a conta, levantou-se e foi em direção à mesa das moças no momento em que o garçom servia cafés Nespresso. Virou e foi passando atrás da moça bonita, que já estava aflita, sem saber o que fazer. Ele percebeu o nervosismo geral na mesa. Deve inclusive ter sido tema de alguma daquelas conversas. Ele parou ao lado dela e perguntou:
- O que vocês acham desse café?
Elas sorriram nervosas por um momento, olharam para ele e falaram todas ao mesmo tempo. "É bom", "É isso", "É aquilo", "Não sei", "Mais ou menos".
Ele olhou diretamente para a moça bonita.
- O que você acha? É bom? É ruim? É mais ou menos?
Ela finalmente pôde olhar diretamente nos olhos dele sem se sentir constrangida.
- Eu acho um pouco forte demais. Por isso que eu sempre peço esse mais fraquinho.
- Mas, o gosto é bom pra você?
As outras meninas se calaram automaticamente e acompanhavam cada palavra dita, cada gesto, como se fosse um jogo de tênis. Ora olhavam para ele, ora olhavam para ela.
- É um pouco amargo.
- Porque esse não é um bom café. Deixe-me explicar. Sou barista e provador de café. Tenho acompanhado a evolução da Nespresso no Brasil e tenho notado que as pessoas enjoam rapidamente desse tipo de café.
- Realmente, já está ficando meio enjoativo. Mas, não tem outro, né? Todos os restaurantes estão servindo esse café.
- Eu tenho um blog onde escrevo sobre café, cultura, política e outras coisas. Estou numa campanha para que os restaurantes sirvam cafés melhores. Afinal de contas, o Brasil é o maior produtor e planta alguns dos melhores cafés do mundo.
- É, bem que eles poderiam servir um café melhorzinho.
- Obrigado pela atenção e pela opinião de vocês. Puxa ... sou muito mal-educado mesmo. Meu nome é Tony.
- O meu é ...
- Por favor, não me diga o seu nome.
- Por que?
- Se voltarmos a nos encontrar casualmente por mais duas vezes vezes, eu vou querer saber o seu nome.
Ela então abriu o sorriso mais lindo e luminoso que ele já havia visto em toda a sua vida. As outras moças puderam soltar o suspiro que estava preso há algum tempo. Ele saiu do restaurante deixando tudo nas mãos do destino. Pelo menos sabia onde iria almoçar toda terça-feira e que precisava manter geladeira e despensa abastecidas.
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