Ricardo Icassatti Hermano
Como vocês já sabem, o blog está recolhendo histórias reais das(os) leitoras(es) durante as reuniões de pauta que acontecem às sextas-feiras em alguma boa cafeteria da cidade. O espresso e a água mineral são por nossa conta, independente da história ser boa ou não. Se for realmente uma boa história, nós reproduziremos aqui. Claro que com alguma licença poética : )
Esse é o caso desse relato que ouvimos de um dos protagonistas. É uma incrível história cujo tema central é a gratidão. Os nomes reais foram trocados por fictícios em respeito à privacidade dos envolvidos. Vamos a ela.
Machado é um sujeito calmo, pacífico, alegre, brincalhão e do bem. Não gosta de discussões envolvendo temas "cabeludos", como política, religião etc. Ele não é medroso, apenas não vê vantagem em discutir assuntos que desconhece e em bate-bocas que não levam a nada além de brigas. Machado é um habitué de botecos. Gosta de apreciar sua cerveja alguns dias na semana. Seu espírito tranquilo favorece a criação de laços de amizade.
Foi assim que nasceu a amizade entre ele o garçom Severino, do Bar Berimbau. Era ali que Machado vinha batendo ponto pelo menos três vezes por semana. Bebia sempre a mesma marca de cerveja e comia qualquer aperitivo. Severino já sabia das preferências do cliente e se adiantava ao pedido com um copo e uma garrafa vestidos de gelo. O esforço e a atenção eram bem recompensados na gorjeta. Sempre batiam longos e divertidos papos.
Certo dia, Severino não se adiantou. Machado esperou, mas acabou tendo que chamar o garçom que, à distância, parecia estranho. Ele se aproximou da mesa e o cliente teve certeza. Severino tinha um ar preocupado, entristecido. Preocupado, Machado logo perguntou:
- O que houve Severino? Cadê a minha cerveja com a capa branca? Estou com sede meu amigo.
- Me desculpe doutor ... já vou trazer pro senhor ...
Severino se afastou sem pressa, com a cabeça baixa. Machado ficou curioso sobre o que teria acontecido ao prestimoso garçom. Talvez alguma perda na família. Assim, que ele retornou com a cerveja e o copo vestidos de branco como sempre, Machado voltou à carga.
- O que houve Severino? Algum problema? Posso ajudar?
- Olha doutor, eu tô com um problema sim. Mas, tenho vergonha de falar.
- Quiéisso Severino? Somos amigos ou não somos. Me conta aí, o que aconteceu?
- É o seguinte doutor, estou precisando de um dinheiro para pagar uma dívida e não tenho de onde tirar. Será que o senhor poderia me emprestar? Eu pago tudinho de volta, prometo.
- Quanto é Severino?
- É quatrocentos reais doutor ...
Machado não era rico, mas também não era pobre. Meteu a mão no bolso, pegou a carteira, abriu, contou daqui, contou dali e puxou um punhado de notas. Não quis nem saber qual era a natureza da dívida do amigo.
- Tá aqui, quatrocentos reais.
- Deus lhe pague doutor. Prometo por tudo que é mais sagrado que vou lhe pagar esse empréstimo o mais rápido que eu puder.
- Não esquenta Severino. Amigo é pra essas coisas. Vai pagando como você puder, sem pressa. Pague logo o que você deve aí e fique livre disso de uma vez, senão eu só vou tomar cerveja quente nesse bar (risos).
- Aqui não, doutor! Aqui o senhor só vai beber cerveja gelada, no ponto que o doutor gosta!
- Olha, toma aqui mais cinco reais.
- Pra que doutor? Os quatrocentos já resolvem o meu problema ...
- É pra você jogar na loteria, ganhar, ficar rico e nunca mais ter que se preocupar com dívida. Tá bom?
- Obrigado doutor!
Machado tomou suas cervejas, comeu seus aperitivos, despediu-se de Severino, que agradeceu mais umas 20 vezes, e foi embora. No dia seguinte, Severino pagou sua dívida e ao passar pela porta de uma lotérica, decidiu seguir o conselho do seu cliente e jogou na Megasena. Ganhou sozinho o prêmio de R$ 16 milhões. O garçom não contou nada a ninguém. Pacientemente, ainda trabalhou por um mês, aguardando que o seu cliente e credor aparecesse como de costume.
Por razões que a própria razão desconhece, Machado não voltou mais ao Bar Berimbau. Excesso de trabalho, preguiça, compromissos e convites de amigos o levaram a outros bares. E a vida seguiu em frente. Severino não podia esperar mais e pediu a um outro garçom que, assim que visse o doutor Machado, entregasse um recado escrito numa folha de papel. E o garçom foi embora para a sua cidade no interior da Paraíba.
Um dia, Machado sentiu saudade daquela cerveja servida no ponto pelo amigo e garçom Severino. A garganta até secou. Assim, aportou no Bar Berimbau e logo viu que o Severino não estava por lá. Chamou outro garçom e perguntou por ele. Ouviu que Severino não trabalhava mais ali. Machado nem se lembrou do dinheiro que havia emprestado. Apenas lamentou a perda do bom papo e do serviço divinatório impecável. O garçom escreveu o pedido num pequeno bloco de papel e saiu apressado.
Machado mergulhou em seus pensamentos e só foi trazido de volta pelo som da garrafa de cerveja e do copo sendo colocados sobre a mesa por um garçom diferente do que havia anotado seu pedido. A capa branca estava praticamente como ele se lembrava. Ficou feliz. Assim que o garçom terminou de servir a bebida, estendeu um bilhete dobrado.
- O que é isso? - perguntou Machado.
- O Severino pediu que entregasse pro senhor.
Machado agradeceu, pegou o bilhete e foi desdobrando cuidadosamente. Estava vivamente curioso e lembrou da dívida. Talvez fosse um pedido de desculpa ou o próprio pagamento. No bilhete estava escrito: "Doutor Machado, preciso da sua ajuda urgente. Por favor me liga no ..." e havia um número de telefone com prefixo DDD.
Preocupado com o tom da urgência, Machado sacou o telefone celular e ligou no número indicado. Tocou quatro vezes e ele imediatamente reconheceu a voz do Severino do outro lado.
- Alô!
- Alô. É o Severino?
- É ele mesmo.
- Aqui é o Machado. Acabei de receber o seu bilhete. Aconteceu alguma coisa Severino? Você está bem?
- Doutor Machado! Que bom que o senhor ligou. Me ouça com muita atenção. Não pule, não comemore, não grite. Finja que nada está acontecendo.
- Que conversa é essa Severino?
- Calma doutor, é só notícia boa. Eu fiz o que o senhor me aconselhou. Joguei na loteria e ganhei sozinho a Megasena. Foram R$ 16 milhões e a metade do prêmio, R$ 8 milhões, é sua. Abri duas poupanças na Caixa Econômica, uma pra mim e outra pro senhor. Estou indo para Brasília amanhã e nós dois vamos lá na Caixa para eu poder lhe entregar o dinheiro.
Machado ficou um tempo atordoado, tentando juntar as informações para que fizessem algum sentido. Ele nem lembrava que havia dado algum conselho ao Severino. Ele havia emprestado uns quatrocentos reais ao garçom e agora haviam aparecido R$ 8 milhões. Ele não dormiu naquela longa noite.
No dia seguinte, Severino e ele se encontraram na porta da sede da Caixa Econômica Federal. Quando saíram, Machado estava rico e com os olhos transbordando de lágrimas. Severino agradeceu sorrindo. Estava verdadeiramente feliz por dividir o prêmio com Machado, o homem cuja generosidade havia tornado aquela sorte possível. Despediram-se com um forte abraço.
Pois é caras(os) leitoras(es) do Café & Conversa, gratidão é uma coisa rara e essa história comoveu a todos aqui na redação. Afinal, que obrigação tinha o Severino de dividir a sorte grande com o Machado? Poderia até ter ido embora e nem ter pago a dívida de R$ 400, como muita gente faria sem pestanejar. Mas, ele sabia que a vida tem seus caminhos invisíveis e que o egoísmo, a ganância e a ingratidão não faziam parte daquele fluxo. Talvez sem saber, Severino se tornara um homem completo. Esse tipo de ser humano é o que nos dá esperança de termos um futuro melhor, que nos faz acreditar que a luta vale a pena.
Esperamos que tenham gostado e lembrem-se que toda sexta-feira estaremos em alguma boa cafeteria aguardando suas histórias, com café e água mineral. Fique ligado porque avisamos pelo Twitter @CafeConversa onde vai ser. Venham!
2 comentários:
Que história brilhante!
Fabulosa!!!
Amei...
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