Ricardo Icassatti Hermano
O dia começou cedo. A noite foi de vento forte e chuva no acampamento base. Nada preocupante, mas acordou a todos com as barracas sacolejando de um lado para o outro. Houve quem se assustasse. Rosinha e eu dormimos feito anjos, sem susto e sem medo de ser feliz, mas checando de vez em quando se a barraca resistiria ao vendaval.
Depois de uma noite tempestuosa, a surpresa da manhã
A manhã nos surpreendeu com sol e vento gelado, o cenário do nosso desejejum. O chão era um tapete escorregadio de lama preta. Como sempre, tínhamos que comer rápido e partir para o Roraima. Tinha início a parte mais dura e perigosa da expedição.
De blusa amarela, nosso guia Tirso mostra o caminho que faríamos em seguida
Não tenho costume de tomar café da manhã pois enjôo facilmente com comida antes do meio-dia. Mas, naquelas condições, eu comia o máximo que conseguia e conforme avançava na caminhada o enjôo ia passando. Precisava daquelas calorias para obter e queimar energia. A musculatura doía e os pés doíam, mas o ferimento coberto com uma armadura de esparadrapo estava tranquilo.
As nuvens foram chegando devagarinho ...
Atravessamos o primeiro rio e dali em diante só conhecemos subida íngreme. 6,5 quilômetros nos aguardavam, sendo que a parte do paredão era uma escalada de quase um quilômetro sobre rocha e pedras soltas. A trilha tinha cerca de um metro de largura. À minha esquerda, um despenhadeiro. À minha direita, um paredão reto de rocha. Ainda levava uma mochila nas costas.
Rosinha não se intimidou com a montanha
Na metade do caminho passamos por baixo de uma cachoeira que vem lá do topo. O local se chama "Passo das Lágrimas". Não sei se o nome é por causa da água que chega ali em enormes gotas ou se é porque ali que o povo senta e chora, pois a dificuldade de seguir ou de voltar é a mesma. Não deu nem para fotografar porque meu iPhone não é à prova d'água.
O Passo das Lágrimas fica logo ali na frente
Decidi manter o foco sempre no passo seguinte, sem me importar com quanto tempo ou distância faltavam, e agradeci ter feito o curso de escalada. Um amigo me chamou para fazer o curso porque não queria ir sozinho. Acabei topando porque gosto de aprender coisas novas. Nunca se sabe quando serão úteis. Graças a isso pude escalar com relativa facilidade e velocidade, pois sabia me agarrar em qualquer ranhura na rocha e como distribuir o peso para obter equilíbrio. As pernas já estavam falhando em relação às ordens do cérebro quando cheguei ao topo. Os últimos 50 metros foram extenuantes.
De repente o sol se foi, o tempo fechou e passamos a fazer parte do Mundo Perdido
Mas, como valeu a pena! Parecia que eu acabara de desembarcar de uma nave espacial em outro planeta. Ambiente pra lá de hostil. Imagine entrar dentro de uma nuvem onde está havendo uma tempestade gelada com ventania. Adicione a isso a falta de oxigênio. É mais ou menos isso. Fiz uma oração de agradecimento e pedi ao "Senhor do Ventos, Kukenan" que nos poupasse um pouco.
Cheguei ao paredão e nem sei onde estou,
não enxergo mais que dois metros à frente
Não sei se foi isso ou apenas uma feliz coincidência, mas o tempo melhorou um pouco e até o sol deu as caras. As pedras se aqueceram enquanto lanchávamos e aguardávamos o resto do grupo. Melão e goiabada "roraimera". Nosso guia Tirso dizia que tudo o que comíamos era "roraimero". Um dos sujeitos mais engraçados que já conheci.
Estou quase lá ...
Após comer, escolhi um vão na rocha e deitei com as pernas para cima. Estava aquecido e mais ou menos abrigado do vento gelado. Logo outros me seguiram. Deu até para tirar um cochilo. Uma parte do grupo chegou quando já nos aprontávamos para partir em direção ao acampamento final. A fome apertava meu estômago e ainda tínhamos alguns quilômetros para andar.
Chegamos sãos e salvos ao topo do Monte Roraima
O topo do Monte Roraima tem 30 quilômetros quadrados, fauna e flora únicas no planeta, cachoeiras enormes, lagos e é onde vários rios nascem. Toda a água que desce do Roraima vem unicamente da chuva incessante. O monte é parecido com uma esponja, cheio de cavernas e nunca secou. É um fenômeno da natureza e inabitável para os seres humanos. Só dá mesmo para visitar.
Uma pequena amostra da flora local
O almoço e o jantar vieram nos confortar. O problema é que o vento e o frio nos permitiam comer muito pouca comida quente. Comi tão rápido que engasguei. Nunca bebi tanta água e suco. Um dos grandes perigos do Roraima é justamente não percebemos a desidratação por causa da umidade constante. Atento a isso, enchia sempre o meu cantil, mas ainda assim sentia uma sede enorme.
Almoço: Pasta Roraimera : )))
Nossas barracas estavam montadas na entrada de uma grande caverna chamada "Hotel Guacharo". Segundo o guia Marcelo, Guacharo é o nome de um pássaro que vive naquelas cavernas junto com escorpiões e tarântulas enormes. O guia Marcelo sequer tinha uma barraca. Dormia apenas com um saco de dormir estendido no chão.
Pode parecer estranho, mas ficamos bem abrigados aqui
Perguntei a ele sobre as tarântulas e ele me respondeu apenas que as comia fritas. Caímos na gargalhada. Tudo o que vi por lá foram uns grilos gigantescos que nadavam sob a água. Fui dormir sem tomar banho. Estava frio demais e eu cansado demais. Teríamos todo o dia seguinte para explorar o topo do Roraima.
Rosinha enchia o prato, mas me dava a metade
Não é uma cozinha planejada Kitchens, mas alimentou muito bem a todos nós
e na hora certa. Uma façanha digna dos maiores elogios
Amanhã conto mais.
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