domingo, 19 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro

Ricardo Icassatti Hermano

Eu até entendo que os britânicos quisessem que o filme ajudasse a reforçar o mito, concentrando-se mais nos grandes feitos e conquistas históricas. Também entendo que os argentinos não gostem do filme por terem sido vexaminosamente derrotados numa "guerra" que mostrou ao mundo quão patéticos eram os generais que comandavam a ditadura naquele país. Quem quer lembrar um mico desses? Todos têm suas razões para reclamar e fazer biquinho para este filme, mas nenhuma delas é justa.

O filme A Dama de Ferro é simplesmente fabuloso. Todos aqueles reclamões se "esquecem" que cinema não é propaganda e não deve servir aos propósitos políticos de quem quer que seja. Quem usou a sétima arte para esses fins, se deu mal. Estão aí os filmes-propagandas-mentirosas da era nazista e aquele sobre a vida do Lula que não me deixam mentir. Hoje, são motivo de risada apenas. Para inventar histórias falsas estão aí disponíveis os livros de auto biografia e os blogueiros progressistas.

Cartaz do filme

Se a Meryl Streep não levar o Oscar, uma enorme injustiça será cometida. A atuação dela na pele da ex-Primeira Ministra da Inglaterra, Margareth Tatcher, é fantástica, soberba, desbundante. O trabalho de maquiagem e caracterização também é primoroso e merecedor de muitos prêmios. O roteiro da premiada Abi Morgan nos surpreende porque foge do lugar comum e apresenta uma versão da prestação de contas com o passado, que um dia todos nós faremos. Como podemos ver, trata-se de um filme feito por mulheres e sobre uma grande mulher. 

A caracterização ficou perfeita

Quando se realiza uma obra sobre a vida de alguém tão importante para a História, é preciso focar em algum ponto, que pode ser uma única decisão, um período de tempo, um conjunto de ações ou uma característica pessoal. Neste filme, escolheram como fio condutor uma característica pessoal de Tatcher, sua obstinação na defesa de princípios e o balanço que faz da sua atuação política e da relação familiar ao final da vida. 

A relação de 50 anos com o marido é um dos destaques

Baseada nesses princípios, a ex-Primeira Ministra tomou as decisões que, num primeiro momento, pareciam ser erradas, catastróficas mesmo. Mas, o tempo se encarregou de mostrar que ela estava absolutamente certa. Foram aquelas corajosas decisões aparentemente amargas, porém necessárias, que tiraram o Reino Unido da recessão econômica e que, ainda hoje, mantêm o país a salvo da crise europeia. Foi a recusa em trocar a Libra Esterlina pelo Euro que salvou a Inglaterra do abraço de afogado dos países fiscalmente irresponsáveis. 

Uma mulher decidiu os rumos do mundo

Quando foi preciso aplicar o remédio doloroso, Margareth Tatcher não fugiu à sua responsabilidade e enfrentou sindicalistas espertalhões, que sempre estão atrás de uma boquinha, de privilégios, sinecuras, e só têm compromisso com o corporativismo das suas categorias e com o assalto aos cofres públicos. Pois a Dama de Ferro, apelido que recebeu da esquerdalha russa, venceu todos os problemas com a defesa de princípios. Basta ver a sucessão de primeiros-ministros desastrosos e corruptos que se seguiu a ela.

Enfrentando a "ira" dos sindicalistas

É uma história que conhecemos bem. Coincidentemente, temos uma mulher à frente do nosso governo, que até faz uma força danada para parecer tão austera e competente quanto Mrs. Tatcher. Porém, é impossível imaginar a ex-Primeira Ministra britânica agindo como agiu e age a presidente brasileira em relação aos escândalos de corrupção no seu governo e à omissão criminosa na infra estrutura do país. Ao contrário de lá, aqui reinam a crença e a fé absoluta na propaganda para transformar erros e desvios em acertos e qualidades. Em cores, digamos, mais circenses, algo parecido ocorre na vizinha Argentina.

Torna-se imprescindível recordar o que disse Margareth Tatcher sobre o Brasil em entrevista concedida à revista Veja em março de 1994:

"Parece-me bem claro que o Brasil não teve ainda um bom governo, capaz de atuar com base em princípios, na defesa da liberdade, sob o império da lei e com uma administração profissional. Bastaria um período assim, acompanhado da verdadeira liberdade empresarial, para que o país se tornasse realmente próspero".

Sem dúvida, parece-nos claro como cristal que ainda não tivemos esse governo ...

E aí eu me pergunto: por que as feministas do mundo inteiro não acendem velas todos os dias para essa mulher fenomenal? Vamos analisar. Margareth Tatcher era filha de um quitandeiro de uma minúscula cidade do interior, que também amava a atividade política e chegou a ser prefeito da sua cidade. Com dificuldade, ela conseguiu se formar na universidade de Oxford e enfrentou preconceitos a vida inteira por sua origem humilde e pelo fato de ser mulher. Sobreviveu a um atentado terrorista e viu seu porta-voz ser assassinado. O único defeito dela é não ser "disquerda". E o movimento feminista está nas mãos de mulheres que jamais realizarão um bilionésimo do que a Dama de Ferro fez.

Com o pai quitandeiro aprendeu os princípios que defendeu

A diretora do filme, Phyllida Lloyd, tratou com muita delicadeza essa etapa final da vida da mulher que mudou o mundo porque soube o que fazer com o poder que lhe foi delegado e como lidar com os covardes que a cercavam. Todos homens, é bom frisar. Margareth Tatcher está com 86 anos de idade e sofre com as sequelas do envelhecimento. Evito usar o termo adotado para o seu caso. O filme parte dessa etapa final da vida para, em flashes, mostrar o balanço que essa mulher poderia fazer da sua atuação pública e pessoal. Um desafio monumental que a diretora venceu com brilho.

Uma vida dedicada a fazer política com coragem e honestidade

E chega a ser comovente (ou revoltante, quando fazemos a comparação com os nossos políticos) saber que a mulher mais poderosa do século XX não se transformou numa milionária e seus filhos não estão esbanjando riquezas suspeitas por aí. Ao contrário do que vemos por aqui, com as riquezas súbitas e instantâneas que invariavelmente passam pelo roubo de dinheiro público. A Dama de Ferro é um filme imperdível para quem tem algum interesse que não sejam "as tramas da semana no BBB 12". Assista o trailer:


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