Mas antes, uma dica de português. Mousse é um substantivo feminino, derivado do francês. Na culinária da terra de Simone de Beauvoir, que amanhã faria 102 anos, mousse é espuma ou prato espumoso, conforme nos conta o professor Rafael Vieira:
(http://recantodasletras.uol.com.br).
Pronto! Saí de casa para comprar os ingredientes da Mousse de Café. Garoando, praticamente naquela "chuvinha de molhar bobo", em que você jura que não vai se molhar...
Antes, eu tinha lido um e-mail de Moema Dourado em que ela dizia “Oba! Servimos um mousse aqui no Fellini também...”. Ela ainda não tinha lido essa saga.
Deu vontade de ir ao Café Fellini (SCL 104 Sul), fotografar a mousse de lá, dando o crédito, claro, e deixar por isso mesmo. Mas, confesso: ontem eu estava com vontade daquela outra mousse de café. Tenho até um post pronto, comentando sobre o Café Fellini, mas vai ficar para outro dia. Voltemos à mousse. Quer dizer, à saga da minha mousse.
Em Brasília, as distâncias são infernais. Em todos os sentidos. Geograficamente falando, culturalmente. Tudo! Um táxi, no percurso de 9km, custa R$ 28. É muito! O atendimento no comércio é sempre muito ruim. Grande parte dos moradores está em Brasília para tentar um concurso público. Estuda para isso. Então, fazem bico no comércio, nos serviços.
Pronto. Cheguei à parte de confeitaria. Queria comprar a gelatina.
- Vai fazer o que com gelatina sem cor, sem cheiro. É remédio? - Perguntou a atendente.
- Não senhora, é para uma mousse de café - disse resignado.
- Nossa! Deve ficar horrível. Eu já fiz mousse de maracujá. O Luiz, meu marido, todo dia me pergunta se não tem aquela mousse de maracujá. Eu nunca tenho tempo. Estou estudando... -completou a atendente.
- Estuda, é? - Quis saber.
- É. Estou fazendo um cursinho preparatório. Acho que esse ano é o ano da virada. Quero largar isso aqui e amarrar meu burro na sombra. Deus queira que façam logo um concurso. “Num guento” mais isso aqui. Trabalhar atrás do balcão “num” é vida não moço - completou enquanto me entregava um envelope de gelatina incolor. Sem sabor.
- Com essa dedicação toda, o Luiz deve comer a mousse que o Diabo amassou - pensei.
No outro balcão eu estava procurando queijo minas, quando escutei o seguinte diálogo.
- Arruda? Sabe onde tem sabonete de arruda? - perguntou uma senhora quase sussurrando.
Primeiro eu pensei que se tratava do governador do Distrito Federal, que voltou a pedir perdão pelo que fez. Mas, depois descobri que dona Lisete gosta de tomar banho com sabonete de arruda.
- Para espantar a ziquizira, meu filho - disse ela.
- Quero duas barras, pedi antes que acabasse o estoque. Não custa nada - pensei.
Na outra geladeira tinha uma moça alta, magricela, com cara de modelo-manequim-atriz, procurando um “raguem de doce de leite”. Devia ser um desses imperdíveis Häagen-Dazs. Que loucura de sorvete. A “modelo-manequim-atriz” comprou, pagou, saiu e pegou o Fox Trend. Preto. Saiu em alta velocidade, enquanto eu procurava o queijo gorgonzola. Qualquer dia desses ainda vou ao google só para saber o que é Trend, que alguns carros da Volks têm escrito na lataria.
Na prateleira onde tinha salsa, ouvi o comentário sobre a promoção da galeteria.
- Você come um frango e leva outro pra casa - contava um motorista de táxi que abastecia o carrinho com biscoitos Club Social.
Lembrei de uma jornalista que carrega para cima e para baixo sacolas de Club Social. Quase todos com a data de validade bastante avançada.
- Bom, vou andando, ainda faltam as nozes e o creme de leite - pensei.
Cheguei ao caixa, conferi tudo: gelatina incolor sem sabor; queijo minas; queijo gorgonzola; creme de leite e nozes. Ah, falta a Pepsi, lembrei. Não, não. Na receita não tem Pepsi. Nem no supermercado, tinha Pepsi.
- Serve Coca? - perguntou um rapazinho bem nutrido, que arrumava o estoque.
- Não.
- É tudo igual. Ou o senhor sente alguma diferença - perguntou o gordinho? Já tomou Coca com o Halls preto? - emendou.
- Também não.
- Dá barato, completou.
Voltei as costas e marchei direto ao caixa sem minha Pepsi. Deve dar barato mesmo, pensei. Pela "eletricidade" dele, deve dar... Chovia e o motorista do táxi não encostou o carro debaixo da marquise. Molhei a caixa de papelão com as compras.
- Nessas horas, moço, é melhor sacola de plástico - disse ele.
- É, mas as caixas poluem menos. A sacola de plástico...
- Besteira. Coisa de ambientalista que não sabe o que diz - me interrompeu o motorista.
Eu não pensava em outra coisa que não fosse voltar para casa e preparar a Mousse de Café.
- R$ 15,00 - disse o motorista.
- Tudo isso? - Fiquei espantado com o valor do táxi.
- Bandeira 2 - arrematou o motorista.
Peguei o elevador, abri a porta de casa. Baixinho, Concha Buika cantava “El ultimo trago”.
Troquei de música, já tinha ouvido muita desgraça e ainda tinha a mousse para preparar. Isso sem contar que, como a sala estava à meia-luz e a receita diz que "é preciso hidratar a gelatina antes de levar ao banho-maria", aí foi que não entendi mais nada...
Acho que estou ficando cego. Não vi que o "maria" não era um substantivo próprio. Naquela chuva e com a vontade de fazer a mousse, eu não sairia de casa nem para encontrar a tal Maria e dar banho nela!
Romoaldo de Souza
PS: a receita de mousse sai ainda hoje. Aguardem!
2 comentários:
Tirou de letra o desafio das compras e terminou ainda de bom humor. Cozinhar é bom para a alma.
"raguem de doce de leite" é divinal. E estou curiosa para saber de onde veio essa receita... Parabéns, querido!
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