Havana, 14 de março de 2010
Ao senhor Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de Brasil
Uma vez alguém me contou que os barcos em que se traficavam escravos africanos deixavam parte de sua carga em Cuba e outra na costa atlântica do Brasil. Assim, separavam irmãos, pais e filhos e amigos de toda uma vida. Assim, nessa bifurcação, nossos povos compartilham a mesma raiz.
Por isso nos parece tão perversa qualquer coisa que tente nos separar, por isso sonhamos que algum dia haja livre circulação entre todas as nossas nações americanas, por isso não consigo entender por que as autoridades de meu país me impedem de visitar o seu.
Na primeira ocasião, em outubro de 2009, pretendia fazer o lançamento do meu livro De Cuba com carinho, publicado pela editora Contexto. O escritório de migração que se ocupa de conceder as autorizações de saída do país aos cidadãos cubanos me informou que eu não estava autorizada a viajar. Esta era a quarta vez que me negavam esta autorização. Anteriormente, me haviam impedido de viajar à Espanha, para receber o prêmio Ortega y Gasset (de Jornalismo), em seguida para a Polônia e depois para os Estados Unidos, onde receberia a menção especial do (prêmio) Maria Moors Cabot na Universidade Columbia. Fui convocada pela segunda vez para ir ao Brasil, agora para o lançamento de um documentário sobre minha pessoa, feito por um grupo de diretores em Jequié (no interior da Bahia). Estou convencida de não encontrar dificuldades para obter o visto de sua embaixada em Havana, mas também tenho a certeza de que as autoridades do meu país voltarão a me negar a autorização de saída.
O senhor deu recentes demonstrações de possuir grande confiança na boa fé do governo cubano. Alimento a esperança de que, talvez, aqueles que governam meu país queiram manter viva esta sua confiança e – para não frustrá-lo – atendam a seu pedido de que me deem a autorização para visitar o Brasil. O senhor somente estaria pedindo em meu nome o que para qualquer brasileiro – e para qualquer ser humano – é um direito inalienável.
Desculpe-me que lhe tenha roubado o tempo que o senhor levou para ler esta carta e me desculpe também por tê-la escrito em espanhol. Não me desculpe, porém, pela minha crença de que o senhor deseja para os cubanos os mesmos direitos que deseja ver cumpridos entre os brasileiros.
Yoani Sánchez Cordero
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