sábado, 14 de novembro de 2009

O fim do Barismo?


Ricardo Icassatti Hermano

Como canta Caetano Veloso: "da força da grana que ergue e destrói coisas belas". Esse é um dos efeitos colaterais do capitalismo. Mas, não me confundam, sou capitalista até a medula. Mas sou sensato o bastante para sempre buscar conhecer os defeitos e as virtudes de todos os "modelos" de ordenamento social criados pelo homem.

O capitalismo tem uma virtude que nenhum outro "modelo" conseguiu igualar: a competição na busca pela eficiência e pela eficácia. Aliado a uma boa remuneração, foi isso que liberou e instigou o engenho humano.

O outro lado da moeda é a desumanização das coisas com a substituição do homem pela máquina. Essa busca constante de uma resposta para a equação "produzir mais gastando menos" acaba matando a genialidade, a excelência do artesão. É assim desde a Revolução Industrial.

O blog Café & Conversa esteve ontem no coquetel de inauguração da Boutique do Espresso, concessionária autorizada da fabricante italiana de máquinas profissionais e domésticas de espresso Saeco. Trata-se de um empreendimento louvável feito pelo empresário brasiliense Luzinan Rodrigues, que também é torrefador e dono da marca de café Amor em Grãos.

Boutique do Espresso

Além de corajoso, Luzinan é um visionário. Enxergou o mercado em franco crescimento e assumiu o risco. O mercado nacional de café comum cresce a taxas de 3,5% a 5% ao ano, enquanto o de Café Especial cresce a incríveis 10% ao ano. A onda estava ali. Era só pegar a prancha, passar a parafina e surfar.

Ao conversar conosco, Luzinan explicou que, dentre todos os modelos da Saeco, ele está apostando suas fichas na Idea Coffee, uma reluzente maravilha tecnológica faz-tudo computadorizada. Segundo ele, tirar um espresso perfeito e fazer um cappuccino no ponto não será mais tarefa de um(a) barista. Hummmmmmmmmmm ...

I'll be back ...

O empresário disse que o(a) barista fará apenas uma regulagem diária e outras caso sejam necessárias, e que atendentes treinados(as) poderão cuidar dos espressos e cappuccinos enquanto o(a) barista fica liberado(a) para criar e preparar outras bebidas à base de café. A máquina mói os grãos, esquenta a água, compacta o pó, bota pressão e expele a bebida pronta com apenas um toque de botão. Na visão do capitalismo é o Nirvana.

Nada contra, mas me parece que estamos vendo o nascimento do Mc Donald's do café. Essa máquina traz o canto da sereia na promessa de eliminar o custo de gente no processo. Sinceramente não acredito que uma máquina possa me proporcionar a experiência de um espresso perfeito, como um(a) barista consegue. Além disso, barista não é barman ou barwoman, para quem o café é apenas mais um ingrediente.

É preciso lembrar que o espresso é a Fórmula 1 para os(as) baristas profissionais. É uma arte que só é aperfeiçoada e atinge grau de excelência com o fazer diário. O convívio com a máquina cria uma cumplicidade inimaginável e o auto conhecimento leva a uma compreensão do rito à quase paranormalidade. O ápice é atingir o Zen no espresso. Não consigo ver isso numa máquina que dispensa o artista.

Quase um pudim ... slurp!

Aquela crema densa e saborosa, o curto ou o ristretto na medida certa, sei não. Ademais, se um espresso não está de acordo, é obrigação do consumidor devolver e pedir outro. O(a) barista tem então a oportunidade de melhorar a performance. Como uma máquina com regulagem padronizada vai fazer isso? O(a) barista vai correndo fazer outra regulagem? Os(as) baristas serão apenas mecânicos?

Mas, como disse Luzinan: "é o futuro". Pelo menos aqui em Brasília, pois ele nos disse que em São Paulo já tem dezenas dessas máquinas, até em padarias, despejando milhares de espressos e cappuccinos diariamente para os paulistanos apressados. Essa padronização empobrecedora e arredia ao talento é inevitável. Está em tudo, até na política. Felizmente não vou viver tempo suficiente para ver essas máquinas dominando o mundo como uma horda de Terminators implacáveis ...

Mas, a Boutique do Espresso merece aplausos assim mesmo. Investe no crescimento do mercado e apresenta opções que até bem pouco tempo eram sonhos de consumo longe do nosso alcance. É o caso das cafeterias domésticas para fazer espressos e cappuccinos em casa.

Como as grandes, elas já vêm com caldeira em aço inox e atingem a mesma pressão das profissionais. Essa pequenas maravilhas foram criadas no estúdio de design da BMW e também incorporam moedor de grãos e vaporizador de leite. O preço é salgado, vai de $ 2,5 mil para a Incanto, o modelo mais simples, até R$ 7,5 mil para o top de linha, a Primea. Não é para o meu bico, até porque prefiro ir a uma cafeteria, por várias razões.

Primea, não vai com qualquer um

Além disso, Luzinan não soube me responder se aquela sofisticação toda não exigiria algum conhecimento sobre a qualidade do café e habilidade do usuário. Até para justificar o alto custo. Não dá para colocar uma máquina daquelas nas mãos de alguém que toma Café do Sítio. Segundo ele, as lâminas de cêramica do moedor não suportam gravetos e pequenas pedras, presença infalível em cafés comuns. "Vai danificar", vaticinou. As máquinas são exigentes e só aceitam cafés selecionados.

Ainda tivemos a oportunidade de experimentar o café Amor em Grãos, e feito na máquina super poderosa Idea Coffee. O café Gourmet vem de várias fazendas de Carmo de Minas, região produtora de primeira classe. Os cafés Premium e Superior vêm do cerrado mineiro, uma parte é plantada a somente 160 km de Brasília.

O trio mineiro

O Amor em Grãos Gourmet é muito bom. Tem aroma pronunciado de caramelo e toques de canela e manteiga. A crema é mediana (regulagem?), mas tem sabor encorpado e suavidade nos taninos e na acidez. Vai agradar em cheio o paladar médio. As meninas que serviram o espresso me disseram terem feito um "treinamento" de barismo com o próprio Luzinan, mas não serviram água com gás junto com os espressos.

Aliás, Luzinan nos disse que mantém em sua torrefadora um Centro de Excelência do Café, onde é possível fazer cursos de barismo e de torrefação. Precisamos conferir. A torrefadora também tem um site, que merece uma visita.

Dá para perceber que Luzinan Rodrigues é um apaixonado pelo café e por aquilo que faz. É preciso muita fé para montar uma torrefadora fora dos centros produtores de café. É preciso muita coragem para se dedicar a um nicho de mercado que está começando, o de cafés gourmet. Não satisfeito, ainda avançou em direção às máquinas de espresso.

O blog Café & Conversa parabeniza o empresário desejando-lhe vida longa e festeja a expansão do mundo do café em Brasília. Prometemos que vamos aproveitar bastante.


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